Da lotação de hotéis às filas para a única lanchonete no local. Da indisponibilidade de táxi/uber, às filas de banheiros. A frase que mais se ouve em Belém do Pará há uma semana é a que compara situações atuais, demonstrativas de falta de estrutura ou preparo para receber grandes eventos, em vista da COP 30, marcada para acontecer em 2025 na cidade, elevando em proporções estratosféricas os eventos que estão acontecendo, os Diálogos Amazônicos, que começaram sexta e terminaram no domingo, a Cúpula da Amazônia, entre terça e quarta-feira, e todos os demais, que acontecem em paralelo e pegando carona na pauta ambiental.
‘A cidade parece estar sendo maquiada para mostrar um cartão postal sustentável que não é real, ao invés de dialogar com os moradores, que parecem não entender bem que, na verdade, este evento diz respeito às suas vidas e ao racismo ambiental sofrido por eles até quando são anfitriões da maior conferência do clima’, refletiu Txai Suruí em sua coluna na Folha, no sábado, falando principalmente sobre as desigualdades que assolam a cidade.
‘Imagina na COP’, a frase deboche, também poderia ser a que nos permite sonhar. Sim, porque, se de um lado estão os anseios de saber como a cidade dará conta do desafio, de outro está o conteúdo denso e as falas potentes que se mostraram presentes durante os ‘Diálogos’, dando esperanças de que os temas da sustentabilidade sejam efetivamente colocados em prática transversalmente nas políticas públicas, e não permaneçam apenas em palavras bonitas postas em tratados e cartas de intenções. Imagina se todas as declarações de ministros ao longo dos últimos dias se tornam realidade, se saem das palavras e vão para a prática?
Todos os ministros do atual governo que passaram pelos Diálogos Amazônicos, com destaque para Marina Silva, Silvio de Almeida, Anielle Franco e Sônia Guajajara – tratados como popstars pelo público do evento, ao lado do cacique Raoni – foram enfáticos na defesa da construção de políticas públicas perenes. Terão deixado um imenso legado para 2025, quando ocorrer a COP, se tirarem do campo das ideias tudo o que pretendem fazer.
A Cúpula, ao contrário dos Diálogos Amazônicos, é um evento fechado ao público, que estará restrito aos 8 chefes de Estado que se encontram em Belém no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), único mecanismo internacional com sede no Brasil. Também durante a Cúpula, estará reunido o ‘Conselhão’ – Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável. Mas, ao longo de todo esses dias, nem mesmo os jornalistas terão acesso presencial às autoridades e assistirão a tudo a partir dos monitores da sala de imprensa. E bota jornalistas nisso. Segundo a equipe de credenciamento da Presidência da República, o número de inscritos para a cobertura já supera o da posse de Lula, até então recorde de pedidos – inclusive de jornalistas estrangeiros. Quase 500 profissionais estão de olho nas negociações a partir de amanhã.
Hoje, ao longo de todo o dia, prevalecerão agendas paralelas, alguns ministros já deixam a cidade, assim como representantes da sociedade civil que terminaram os Diálogos. Os presidentes da Petrobras e do BNDES despacham na cidade, bem como alguns ministros, que permanecem por aqui.
Lula, que hoje visitará o barco hospital do Projeto Saúde e Alegria, em Alter do Chão, chega ao evento amanhã com duas missões ingratas. A primeira delas é unir os demais países em torno da causa do desmatamento. O maior temor é que os criminosos passem a explorar o garimpo ou madeira ilegal em outras fronteiras depois de terem suas atividades coibidas por aqui. A segunda, mais ingrata, já que trata de divergências em sua própria equipe, trata de um posicionamento sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, alvo de manifestações aguerridas nos últimos dias e que prometem ser ainda maiores ao longo da semana. A posição ambígua de Lula, defendendo o desmatamento zero para preservar a Amazônia e encontrando brechas na legislação para permitir a exploração, à revelia de posicionamento contrário do Ibama e de sua ministra do Meio Ambiente, será posta em xeque. Não necessariamente pelos integrantes da Cúpula, quase todos favoráveis à continuidade da exploração do petróleo em seus países. Mas… imagina na COP.