14 de agosto de 2023 | Estratégia ESG, , ,

A desinformação, o deserto e o diabo

Por Kelly Lima

Se identificar uma informação falsa que chega no seu Whatsapp demanda certo esforço de checagem, uma mínima corrida ao Google, vá lá… Imagina numa região remota, com zero internet e pouco acesso à informação de qualidade? Um solo fértil para crescer a desinformação e espalhá-la rapidamente.

Intervozes, por meio do Grupo de Trabalho (GT) de Combate à Desinformação e Discurso de Ódio na Amazônia Legal, e com apoio de outras 8 instituições, lançou durante os Diálogos Amazônicos semana passada, em Belém (PA), um relatório sobre o mapeamento de disseminadores de conteúdos enganosos na região Amazônica.

Foram mais de 200 páginas levantadas, em que são perfilados três grandes segmentos, a partir de suas recorrências e aproximações: organizações e ativistas de direita, figuras públicas de representação política e canais ou empresas jornalísticas. Pelo estudo, fica possível perceber onde começa onda de boataria, negacionismo e discursos de ódio, ativos principalmente durante as eleições – mas não só.

Tal onda de desinformação ganha terreno, sobretudo, onde a fonte local de notícias é inexistente. E como já é sabido, a cidadania brota em solo cultivado por informação. Sem consciência dos seus direitos e responsabilidades, os cidadãos ficam à mercê de manipulações por parte de grupos partidários que moldam opiniões conforme suas conveniências.

Atlas de Notícias vem acompanhando desde 2017 os chamados ‘desertos de notícias’, ou seja, municípios brasileiros onde não há sequer um mísero blog a reportar informações locais de interesse público. No último levantamento, uma boa notícia: 30% de redução nos ‘desertos de notícias’ da Região Norte, onde está sua maior incidência. O Le Monde Diplomatique trouxe uma ótima matéria sobre o tema, abordando técnica e praticamente os vieses complexos de desertos de notícias existentes no Brasil.

O que causa espanto no levantamento é que era de se esperar que os estados mais afetados por tal mal fossem os mais isolados e com menos infraestrutura. Mas o que dizer de São Paulo, em que 331 dos 645 municípios estão ‘no escuro’? Este apagão de informações que atinge 51% dos municípios paulistas também afeta 45% das cidades fluminenses. E se no eixo Rio-SP há esse vazio, o que esperar dos demais estados, não?

Talvez o que mais assuste seja saber que, mesmo com acesso à informação, há ainda quem prefira viver no escuro. Ignorando notícias, sejam elas sobre vacinas, mudanças climáticas, mapa da fome, ou mesmo desvio de joias e Rolex.

O diabo mora mesmo nos detalhes.

Por: Kelly Lima