16 de agosto de 2023 | Estratégia ESG, , ,

E a CPI? Acabou. E a terra?

Por Fernanda Lambach

“O termo terra, com origem no latim terra, abrange diferentes acepções e significados. Faz referência, por exemplo, ao material quebradiço de que é composto o solo natural; ao terreno destinado ao cultivo; e ao piso/chão que pisamos.”

Eu era repórter da Gazeta Mercantil quando vi, pela primeira vez, o Movimento dos Sem Terra (MST) chegar a Brasília, empunhando as ferramentas que usavam no campo. Vinham a pé. Um atrás do outro. Disciplinados. Seguros de seu propósito. A presença daquelas mulheres e homens fazia tremer o chão. Parecia que estremeceria os alicerces de uma sociedade desigual. Com seus calçados humildes, indumentária simplória, eram altivos e determinados na causa que escolheram abraçar. Repórteres de vários outros veículos fotografavam a cena, cada um dentro da ideologia que a empresa de comunicação onde trabalhavam pregava. Mas todos, inevitavelmente, estavam arrepiados.

A marcha começou em 17 de fevereiro de 1997, conta o site do MST, quando cerca de 1.300 marchantes partiram de três pontos diferentes do país e caminharam por mais de mil quilômetros, durante dois meses, atravessando vários municípios brasileiros e chegando a Brasília no dia 17 de abril de 1997.

Ontem (15/8), 26 anos depois, representantes do movimento foram barrados na porta da CPI do MST na Câmara dos Deputados, onde o líder nacional João Pedro Stédile era arguido pelo relator Ricardo Salles (PL/SP), ex-ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro. Diferentemente do que acontece em dias normais, quando a entrada é democraticamente livre para quem quiser acompanhar o colegiado, apenas pessoas credenciadas podiam entrar na sala. Isso, disseram seguranças da Câmara, porque o relator e o presidente Zucco (Republicanos/RS) acharam que os movimentos iam “invadir” o plenário.

“Só ocupamos grandes propriedades improdutivas como forma de pressionar para que a Constituição seja respeitada”, enfatizou Stédile em sua fala. Midiaticamente, ele ajustou a Constituição de 1988 e o boné do MST na sua frente enquanto sentado à Mesa da CPI, compondo a imagem que queria que fosse vista na TV. Stédile tentava lidar bem com tantos riscos reputacionais para o MST.

Enfadonho

A sessão da CPI foi extremamente longa, mas, no fundo, acompanhar o embate João Pedro Stédile x Ricardo Salles foi tão enfadonho quanto disse em seu tempo de fala a deputada Lídice da Mata (PSB/BA). Isso porque a polarização e a guerra de narrativas continuam impedindo os debates de fôlego, transformadores, no Congresso Nacional. Se houvesse placar em CPI, seria possível arriscar um zero a zero.

Pior é o ritmo das discussões: em muitos momentos tem faltado urbanidade por parte de alguns membros do colegiado. Falta educação. Falta aquele ar fresco de democracia plena que se via em outros tempos em que, num mesmo plenário, um padre se ajoelhava, pedindo a Deus sua ajuda, enquanto, do outro lado, feministas de lilás empunhavam faixas defendendo seus pontos de vista. Visões diferentes, defesas diversas, mas todos respeitosos.

Inaceitável, por exemplo, na reunião da CPI, o uso do nome de Marielle Franco para esquentar ainda mais a briga de nervos. Pois a vereadora, cruelmente assassinada, foi citada constantemente como uma forma de ataque direita x esquerda. Quem matou Marielle? Deputados do PSOL enfrentaram detratores. Para acalmar o ambiente, o carioca Tarcísio Motta chegou a falar rimado, fazendo poesia.

Toque de caixa

Salles maltratou mais de uma hora para questionar Stédile, irritando diversos pares, ansiosos para fazer perguntas. Como ele, vários parlamentares da direita aguerrida tentaram arrancar contradições, achar inverdades nas falas do MST, buscar inconsistências na ida à China com o presidente Lula. A tentativa maior é a de ligar Stédile a grupos terroristas.

Mas Sales não atou nem desatou. E Stédile aproveitou o tempo para ficar em sua zona de conforto. Afinal, acabou. O relator avisou na semana passada que vai escrever o relatório da CPI do MST a toque de caixa, irritado com articulações entre o governo Lula e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL).

“O objetivo do nosso movimento é organizar os trabalhadores para ter uma sociedade igualitária. Só isso. Lá no campo, uma das condições é que todo mundo deve ter acesso à terra”, encerrou Stédile. “Só isso.” Pelos corredores, o MST saiu cantando: “Essa luta é nossa. Essa luta é do povo”. E, finalmente, depois de seis horas e meia de depoimento: acabou.

Por: Fernanda Lambach