O tempo inquieta a mente e acelera o coração. Como disse Cazuza na canção ‘O tempo não para’, ele é implacável em sua passagem. O que dizer quando o tempo se torna o centro de uma discussão acalorada, como é o caso do julgamento do marco temporal no STF? Ontem, foram registrados mais dois votos contrários à tese – dos ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso –, fechando parcialmente o placar em 4 a 2 contra.
Numa sociedade onde o lema é ‘tempo é dinheiro’, a pressa ganha protagonismo. Afinal, é tudo pra ontem mesmo. Neste caso, a pressa tem nome e sobrenome: Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Para os defensores do marco temporal, é preciso estar no lugar certo, na hora certa. Mais precisamente, podem ser demarcadas somente as terras ocupadas por indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
E, nessa correria desenfreada para conquistar apoiadores à causa, a FPA tem explorado estratégias condenáveis. Esta semana a Revista Piauí mostrou que a bancada ruralista está espalhando fake news nas redes sociais, mascarando a verdade e distraindo a população, que se deixa levar por informações distorcidas.
O registro é chocante: parlamentares patrocinando a disseminação escancarada e desavergonhada de mentiras sobre um possível impacto na economia e nas cidades, caso o marco temporal não seja aprovado. Ao tentar marcar o passado e retirar o direito à terra dos povos que foram expulsos de seus territórios antes desta data, fica evidente o medo do futuro. Da mudança na forma como nos relacionamos com a floresta, com os povos originários, com o planeta.
A manifestação do ministro André Mendonça – que junto com Kassio Nunes Marques votou a favor da tese – é o retrato desse medo, como registrou o portal O Eco: “[…] as terras brasileiras foram passadas dos povos originários à coroa portuguesa pelo Direito de Conquista”. As palavras de Mendonça geraram reação imediata na ala contrária ao marco temporal: ‘[…] Mendonça acaba de inventar o direito de conquista dos colonizadores que assassinaram e tomaram as terras dos povos indígenas […]’, observou a deputada federal Célia Xakriabá.
A discussão em torno do marco temporal vai além do tempo. É um debate sobre justiça. Sobre direito e o papel dos indígenas na proteção das florestas. Sobre o legado que vamos deixar para as próximas gerações. Vale lembrar que o tempo vai além dos ponteiros do relógio, como ensinou o físico alemão Albert Einstein. O tempo não é linear, como muitas vezes queremos acreditar. Ele é flexível, flui conforme as circunstâncias e percepções individuais. É uma dimensão que foge ao controle, por mais que queiramos nos agarrar a ele.
No fim das contas, o tempo continuará seu curso. Cabe a nós usarmos o tempo de forma sábia, honesta e respeitosa. O tempo não para, mas as nossas ações moldam o futuro que queremos construir. Não estamos lutando contra o tempo, mas por justiça e pela preservação dos direitos dos povos indígenas.