“Humanos idiotas! Transformaram a Terra em um aterro para substâncias venenosas mortais. (…) Você quer se transformar em um demônio?”
(O demônio que chora, em Sonhos (1990), de Akira Kurosawa)
Faz tempo desde que o cineasta Akira Kurosawa impactou o mundo com sua obra-prima formada por oito episódios, oito histórias, oito sonhos. As duas horas de filme já começavam com o choro de um demônio, entristecido pelo deserto em que se tornou o mundo e pelas mutações que o lixo radioativo causou em flores como rosas e dentes de leão. Tudo por causa do desprezo do ser humano para com o planeta.
Trinta e três anos depois, a preocupação com o tema da destinação de resíduos continua sem muita vez entre os humanos. Pelo menos no Brasil. O Instituto Lixo Zero Brasil adiou o Congresso Internacional Cidades Lixo Zero, que traria pela segunda vez a Brasília palestrantes de todo o mundo para compartilhar conhecimento sobre como destinar adequadamente mais de 95% dos resíduos. O compartilhar das boas práticas ficou, quem sabe, para 2024.
Estariam na capital federal representantes como os da cidade de Kamikatsu, no Japão, onde a população separa os resíduos em mais de 60 categorias diferentes para destinação adequada. Qual o motivo do adiamento do evento no Brasil? Simples. Não houve recursos. Geralmente, o evento recebe vereadores, prefeitos e membros do governo federal no debate em torno de políticas públicas. Ficará para o ano que vem.
Parece que não tem sido um lobby fácil de ser feito. Irrequieto, o engenheiro Rodrigo Sabatini, presidente do Instituto Lixo Zero Brasil e membro do conselho da Zero Waste International Alliance, apelou a Paulo Freire e lançou o livro “Pedagogia da Autonomia e Escolas Lixo Zero”, em coautoria com Fabiana Nogueira e Vilja Colliander.
Sem educação não há desenvolvimento. Sem educação, continua-se caminhando para o lixão dos demônios que choram. Segundo a aliança internacional, o “lixo zero” é uma meta ética, econômica, eficiente e visionária para a mudança do estilo de vida das pessoas em todo o mundo sobre o descarte de resíduos. “O lixo zero é uma cultura humana, cuja prática individual acontece por uma exigência ética das pessoas. Para cultivar essa ética em comunidades de família, vizinhos, ruas, bairros, escolas, comércio, organizações privadas, sociais e instituições públicas, se faz necessário sua inserção como tema pedagógico”, dizem os autores.
Infelizmente, o mestre muitas vezes tem de deixar o aluno aprender com o erro. Tem sido necessário dar de cara com o demônio de três chifres para entender o que está acontecendo com o planeta por total falta de educação, políticas públicas adequadas, compromisso com o futuro (não tão distante).
Foi assim que o demônio chifrudo surgiu desde a semana passada, transformado em uma primavera que chegou com 12 estados brasileiros registrando mais de 40 graus Celsius nos últimos dias. O El Niño incomodou todo mundo, agitou serviços de saúde, colocou vidas em risco. Incomodou também o Congresso Nacional, onde parecia não haver ar-condicionado que amenizasse as altas temperaturas. Quem se responsabiliza?
É neste sufoco que amanhã (28/9) as comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Educação realizarão audiência pública conjunta na Câmara dos Deputados para tratar de educação climática. O cenário não poderia ser mais adequado.
O debate será realizado no plenário 4 do Anexo 2, às 10h, a pedido da deputada Socorro Neri (PP-AC). Ela concedeu entrevista à Agência Câmara, dizendo que é crucial discutir o tema por causa da “crescente urgência da crise climática e seus impactos em todo o planeta”.
Ao tratar disso, Socorro Neri fez o mesmo caminho que Sabatini para escrever o livro baseado em Paulo Freire. Para ela, a conscientização sobre questões ambientais, especialmente as mudanças climáticas, precisa de uma abordagem transversal e contínua em todos os níveis de ensino. Além disso: “é preciso incentivar a capacitação de educadores e promover práticas pedagógicas que envolvam os alunos de forma ativa”.
Segundo a Lei de Educação Ambiental (Lei 9.795/99), a educação ambiental deve ser um processo contínuo, permanente e integrado à educação em geral. Diz o artigo 1º: “entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
E o artigo 2º: “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.
Tomara que, como o escritor Sergio Porto, não se tenha que ficar registrando e registrando e registrando em livros a contínua burrice do demônio. Aliás, um diabo chorão.