“O senhor da guerra não gosta de crianças”
(O senhor da guerra – Renato Russo)
O senhor da guerra não gosta das crianças da Palestina. Nem das de Israel. Nem das da favela da Maré, no Rio de Janeiro.
Na verdade, o senhor da guerra não gosta de favelas. Seja por suas casas, seja por suas pessoas. As casas são feias. As pessoas, preguiçosas – afinal, só é pobre quem quer. Para resolver isso, ele tem duas soluções: tiro da polícia nas pessoas, muro impedindo a construção de mais casas – ou pelo menos para escondê-las. Pessoas e casas.
O senhor da guerra não gosta de mulheres. Ainda mais depois que elas ganharam mais força e voz na reivindicação de direitos igualitários e não se cansam de lutar por equidade. Ele continua agindo para que elas continuem abaixo dele. De preferência, servindo-o. E sem dar um pio.
O senhor da guerra não gosta de pessoas de outras raças – conceito que ele mesmo criou, dando a ele um ar científico, para justificar sua suposta superioridade, às vezes como uma característica “natural”. Por isso, para ele, cotas raciais e garantia de territórios indígenas são “privilégios” – que ele tem, mas não admite. “É porque eu fiz e mereci”, diz.
O senhor da guerra não gosta de meio ambiente. Foi ele quem também usou a ciência criando um paradigma da chamada “modernidade” que diferencia natureza e cultura. Se a cultura da Humanidade se mostrou capaz de “dominar” a natureza, por que preservá-la? Por que recuperá-la? Por que conviver com ela? Quem domina não divide. Impõe.
O senhor da guerra não gosta de diversidade e de diferença. Curiosamente, a mesma “’natureza” que ele despreza, assim como ele usa para falar de “raça”, é acionada por ele para dizer que “homem com homem e mulher com mulher não reproduzem” e que “homem nasce com pênis e mulher, com vagina”. E para justificar que, se na “evolução das espécies” “só os melhores sobrevivem”, por que garantir direitos e participação a pessoas com deficiência? Privilégio, claro!
O senhor da guerra não gosta de pessoas velhas. Velhos não produzem, não reproduzem mais mão de obra, não geram “valor”, e ainda por cima dão despesa. E com o avanço da ciência, cada vez mais, e por mais tempo. Por isso, para o senhor da guerra, somente deveria envelhecer quem pode pagar por esse avanço científico. Senão, é privilégio injusto.
“Lembre-se sempre que Deus está do lado de quem vai vencer”, diz o senhor da guerra. E assim, usando a religião e uma suposta “predestinação divina”, ele não desperta suspeitas quando percebemos que somente ele vence. E que isso não tem nada a ver com Deus, Alá, Oxalá, Shiva ou Ísis.
“Existe alguém que está contando com você pra lutar em seu lugar, já que nessa guerra não é ele quem vai morrer.” Porque o senhor da guerra não morre nunca. Outros dão a vida, mesmo sem querer ou saber, para que ele mantenha a sua, intacta, privilegiada, e acusando a todos daquilo que somente ele tem.