“A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou para mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra. Como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.”
(Texto de Simone de Beauvoir, gravado recentemente pela atriz Fernanda Montenegro, dizendo que assina embaixo)
Os idosos vão superar os jovens em 2030 e serão quatro em cada dez brasileiros em 2100. É o que conta artigo do doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves. O envelhecimento da população brasileira preocupa decisores públicos (com menos reações do que deveriam ter) e tem sido objeto de constantes estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); alavanca cada vez mais pesquisas em áreas como a da geriatria (a ciência do futuro); e inspira teóricos da psicologia e psicanálise.
Há quem tenha medo da velhice, da falta de amparo (política pública?), da solidão, das rugas e cicatrizes que a vida vai deixando. Tanto é assim que causou grande estardalhaço nas redes a “ousadia” recente da jornalista Sandra Annemberg, apresentadora do Globo Repórter, que se deixou fotografar sem maquiagem para um trabalho do fotógrafo Jairo Goldflus. “É libertador”, teria dito ela. Mostrar que a pele não é mais de pêssego é corajoso. As reações em torno disso: reveladoras. Todos gostariam que o tempo parasse, mas ele segue. Não sobreviveremos ao tempo.
Desde muito jovem, a atriz Fernanda Montenegro sempre disse que aceitaria a velhice sem muitas cirurgias plásticas porque, se não, no futuro, não haveria mais atores para fazerem o papel de velhos. E não é que deu certo? Seus cabelos brancos têm emocionado multidões e emoldurado personagens emocionantes.
Mas… poucos acreditam que vão envelhecer. E haja toxina botulínica, linha e agulha, suplementos alimentares, mindfullness. Porém, se não estamos prontos para envelhecer, será que estamos preparados para aprimorar legislações e atuar decisivamente pelo futuro do país? É de se questionar.
Apesar da lentidão da mudança e da pouca maturidade para a construção de políticas públicas para idosos, uma novidade merece reconhecimento: o Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de Campinas (SP) abriu o primeiro serviço de geriatria voltado para idosos LGBTQIA+ no país. A novidade deve inspirar vários outros serviços de saúde públicos e privados do país.
Um salto gigante e, finalmente, o entendimento de que é necessário dar espaço para que os idosos LGBTQIA+ sejam ouvidos em um ambiente acolhedor, que permita discrição e os ajude a cuidar da saúde, livrando-se do peso de preconceitos vividos ao longo dos anos de vida.
O exemplo de Campinas faz lembrar do caso de um jurista idoso, paciente de câncer e doença pulmonar crônica, que chegou a um hospital em Brasília, capital que viu ser erguida por Juscelino Kubitschek, para ser internado. Do alto dos 76 anos, o intelectual ouviu a enfermeira dizer: “Fica sentadinho aqui, bem quietinho, que eu já volto pra lhe ajudar”. O senhor olhou para o filho que estava ao lado e, com o dedo indicador da mão direita fez círculos, em volta da orelha, sinalizando: “só pode estar maluca”. Sentadinho? Quietinho? Hora de todos os serviços reverem seus protocolos de tratamento do velho. Ou seria “da melhor idade”?
Que os ocidentais não respeitam os idosos como muitos povos orientais o fazem é uma realidade, mas o despreparo para tratar com uma população que só faz aumentar no Brasil é notável a olho nu. Valoriza-se mais o risco de o velho poder estar prestes a ter uma demência do que a oportunidade de aproveitar com ele a experiência incrível que traz, a bagagem de histórias que tem para contar, os insights que só ele pode ter e não alguém mais jovem que ele.
“Eu sou bem brasileiro mesmo. Cheio de anemias”, disse o idoso para a enfermeira que, agora, o chamava de “fofinho”, numa das últimas vezes em que foi passar por transfusão de sangue. Quanta eloquência. Quanta razão. Apesar de o corpo já estar dando sinais de que iria parar a qualquer momento. Ele dizia ali: trata-se de um país de fome, de doentes e, contraditoriamente, de desperdício.
É preciso preparar o país para curar suas anemias. É preciso ter um sistema de educação e qualificação profissional que prepare os profissionais da saúde, a geração nova de políticos, os jovens advogados que já não entendem mais latim, para cuidar da população que envelhece.
Enquanto isso, enquanto o tempo passa, segue para sua análise, leitor, a pauta de hoje da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara. Serão debatidas sete propostas:
. PL 185/2011 – Dispõe sobre a garantia de percentual de moradias para idosos no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV).
. PL 6047/2013 – Altera a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que “dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências”, para proibir a cobrança de estacionamento a condutores idosos.
. PL 9003/2017 – Dispõe sobre o exercício da profissão de gerontólogo, institui o Dia Nacional do Gerontólogo e dá outras providências.
. PL 66/2020 – Institui o Programa de Atendimento Especializado do Idoso nos hospitais e unidades de pronto atendimento.
. PL 2714/2020 – Altera a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para garantir o direito de receber, na residência, os comprovantes de rendimentos para a finalidade do ajuste anual do Imposto de Renda às pessoas com qualquer deficiência e aos cidadãos com mais de 60 anos de idade.
. PL 2806/2022 – Concede isenção do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) sobre as operações de crédito pessoal, inclusive empréstimo consignado, realizadas por aposentados, pensionistas, por pessoas com deficiência física e pelos beneficiários do Programa Auxílio Brasil.
. PL 2733/2023 – Altera a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, para determinar a obrigatoriedade de comunicação sobre o desaparecimento de pessoas idosas para integração com a Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, instituído pela Lei nº 13.812, de 16 de março de 2019.