“É muito difícil para a gente estar lá (em Brasília) todos os dias. Como é solitário a gente estar lá em Brasília e enfrentar todos os dias aqueles que não gostam de nós” (Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, durante cerimônia de assinatura de acordo com governo do Ceará para avançar na demarcação de 4 TIs, 1º de novembro de 2023)
Brasília é capital de todos. É, sim, capital de Sonia Guajajara, que não deveria estar se sentindo sozinha. Que o governo ligue o alerta sobre as pressões que a mulher forte está sofrendo altiva. Ministra, Brasília nasceu com muito mais do que as assinaturas de gênios como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Max e Athos Bulcão. Nasceu de asas abertas. Sejam elas de avião ou borboleta. Não importa. E essas asas são para acolher.
Brasília tem seus pactos e acordos devidamente acertados no fio do bigode. É assim que seus moradores estão acostumados a comer Pizza Dom Bosco com mate na comercial da “rua da Igrejinha”. E fazem isso em pé, no balcão, porque esse é o ritual.
E há rituais maiores: como o parar na faixa para o pedestre atravessar. E há acordos maiores ainda: acolher é regra, mesmo quando o que se tem para oferecer é terra avermelhada, poeira e a sombra de uma árvore retorcida atrás de água. Famílias dos candangos sabem bem disso.
Não combina com Brasília que portas permaneçam fechadas sem motivo para tal; que haja cercas de metal em volta de monumentos (tão comuns depois da polarização); que pessoas insistam em não reconhecer que a grande beleza de tudo isso é exatamente o convívio dos diferentes, a aceitação da diversidade, o debate de leis com as vozes de todos os partidos e ideologias.
Não combina com a história atual de Brasília num mundo ESG que o cacique Raoni não seja recebido por Lula no Palácio do Planalto. E isso acabou de acontecer. Parece que a cidade que viu, dez anos depois do lançamento da canção “Índios”, do Legião Urbana, queimarem o indígena Galdino na parada de ônibus da W3 Sul permanece assim, meio sem jeito.
Pior: continua-se vivendo uma ilusão entre o que é poético e ficcional e o que é verdadeiro, precisa de política pública e cuidado real. Vale rever a cena da subida da rampa na última posse do presidente Lula. Era poética, instagramável, impecável.
Esta semana, porém, uma manchete do Correio Braziliense perturbou a ordem, os costumes e os pactos da cidade. A entrevista “Não respiramos mais ar puro nesta terra”, com o cacique Raoni Metuktire, foi publicada no último sábado (4/11). O subtítulo informava sobre uma falta que, se realmente existir, precisa ser observada e rapidamente corrigida para não se tornar um problema histórico.
Diziam os autores da reportagem, Isabel Dourado e Vinícius Doria: “Líder indígena mais conhecido no mundo, o cacique é, aos 91 anos, voz de referência na luta pela proteção das florestas e dos povos originários. Raoni subiu a rampa do Palácio do Planalto na posse de Lula, mas não consegue ser recebido por ele.”
É natural que a edição da matéria tenha dado uma esquentada na parte dura da vinda de Raoni ao DF. Afinal de contas, teria mobilizado “a Funai, assessores palacianos e parlamentares”. Segue o texto: “Sem Resposta da Presidência, ele foi ontem (sexta-feira) ao Palácio do Planalto, mas não chegou ao gabinete presidencial. Foi recebido na Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas”.
Em nenhum momento da entrevista Raoni se queixa veementemente da espera, da dificuldade de falar com o presidente da República, das políticas públicas do governo. O líder seguiu confiante no que acredita. Instigado pelos jornalistas, ele tratou do assassinato do líder Tymbectodem Arara, da Terra Indígena Cachoeira Seca (PA), morto 16 dias depois de denunciar invasões de terras às Organização das Nações Unidas (ONU).
Raoni deixou seu pleito:
“Sobre ameaças contra as lideranças, sobre as mortes das lideranças que estão acontecendo, quero pedir ao Lula que se comprometa em proteger as lideranças.” E agora? Quando será que elas subirão novamente a rampa do Planalto?