9 de novembro de 2023 | ESG, Estratégia ESG, Impacto social, Sustentabilidade, , ,

Mulheres invisíveis. Mas sem superpoderes

Por Kelly Lima

A mulher invisível – já retratada pela Marvel, e também em série de comédia com Selton Mello no Brasil –, enfim, chegou ao Enem. Na rádio Jovem Pan, que ouvi dentro de um Uber, o tema foi considerado “esquerdista” e “visivelmente com ‘viés de gênero’”, por estigmatizar uma “dedicação espontânea, já que toda mulher gosta de ser dona-de-casa e se pudesse, optaria por viver só disso”. Sim, eu ouvi isso em 6 de novembro de 2023. Século XXI.

Os “Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil” passam inicialmente por reconhecer o esforço e o quão invisível é esta ação. Mais que isso, o quanto sobrecarrega as mulheres que acabam tendo jornadas duplas ou triplas porque simplesmente não podem optar por apenas uma delas, mesmo não tendo filhos, já que é a elas, as sem filhos, ou que não se casaram, que é repassada a tarefa da cuidar dos pais no fim da vida.

Bem teriam feito os estudantes se tivessem se debruçado sobre o estudo do coletivo Think Olga chamado Esgotadas, e que trata da saúde mental das mulheres diante desta sobrecarga. Um prato cheio para discorrer na redação do Enem.

O coletivo decidiu entrevistar mulheres para entender como elas saíram da pandemia. Os resultados assustam, mas não surpreendem: 45% delas possuem um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum outro tipo de transtorno mental. Isso é maior que a média global. Num grupo de 100 mil mulheres, 13 mil no mundo sofrem com esse diagnóstico, enquanto no Brasil são 19 mil.

A situação financeira apertada, as dívidas, a remuneração baixa e a sobrecarga de trabalho estão entre os fatores que mais impõem sofrimento e impactam a saúde mental das mulheres.

E, sim, talvez o coleguinha da (Nada) Jovem Pan tenha certa razão quanto ao viés de gênero do tema. De acordo com o IBGE, a proporção de pessoas pretas e pardas abaixo da linha de pobreza (37,7%) era praticamente o dobro da proporção de pessoas brancas (18,6%). E ainda segundo o IBGE, cerca de 62,8% das pessoas que viviam em domicílios chefiados por mulheres sem cônjuge e com filhos menores de 14 anos estavam abaixo da linha de pobreza.

A chamada feminização da pobreza é um fenômeno global, e a questão socioeconômica é uma variável importantíssima quando a gente fala de saúde mental. Quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, maior a vulnerabilidade emocional e a vulnerabilidade em saúde mental.

Um estudo da FGV apontou ainda para a acentuação da feminização da fome no Brasil durante a pandemia. A parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento no ano anterior à entrevista subiu de 30%, em 2019, para 36%, em 2021. Porém, entre os homens, este percentual permaneceu estável, variando entre 27% e 26% nesse período; entre as mulheres se intensificou, saltando de 33% em 2019%, para 47% em 2021.

E quando chegamos finalmente ao cuidado, tem-se o dado de que mães solos ou cuidadoras são ainda mais pressionadas pela pobreza, pela ansiedade, pela depressão e pela insatisfação com a própria vida. Afetadas ainda pela baixa auto estima, pelo medo e pela insegurança.

O espaço aqui, assim como na redação do Enem, é pequeno para dar conta de tanta profundidade no tema.

Por: Kelly Lima