Dez em cada dez mulheres já sofreram algum tipo de assédio ou violência. A pesquisa? Minha. Toda e qualquer mulher que conheço já relatou algum episódio que poderia ser encaixado nessas práticas. Desde um ‘inocente’ ‘mulheres são melhores pilotando fogão’, passando por um beliscão no bumbum vindo de um desconhecido, até chegar à violência física. O ponto em comum desses casos: homens como atores ou discursos machistas embalando/justificando as ações.
O sexismo, segundo estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), legitima atos de violência. O Brasil estava entre os 80 países nos quais a pesquisa foi aplicada, e aqui, 84,5% das pessoas têm ao menos um tipo de preconceito contra as mulheres.
Mas, voltando à minha pesquisa empírica, recordo de, aos oito anos de idade, ter sido abordada de forma insidiosa por um idoso em um mercado. Eu era uma criança, de camiseta branca estampada e shorts rosa, e me lembro dele até hoje. Mas, imaginem, nem todo homem!
Para que sejamos socialmente aceitas, é-nos ensinado o que devemos ou não fazer, o que podemos ou não falar, que locais precisamos evitar, as roupas que são consideradas decentes e blá, blá, blá. Mas, e os meninos, o que aprendem? Por melhores que sejam os pais ou responsáveis, é fato que esses preconceitos estão entranhados em todos nós, e eles explicam o que vivemos. Aos que duvidam, vale dar uma espiadinha na série Coisa de Menino.
A 10a edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, do Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), revela que a cada dez brasileiras, três sofreram violência doméstica provocada por um, adivinhem, homem! Dessas, 22% apontaram a ocorrência no ano em curso (2023). Esse mesmo levantamento evidencia que quanto menor a renda familiar, mais propensas essas mulheres estão à violência (física, psicológica, sexual, moral ou financeira). E, se olharmos a série histórica da pesquisa, perceberemos que a maioria das entrevistadas diz ter sofrido mais de uma violência (multi-violência).
No início do ano, outro relatório, do Instituto Igarapé, com apoio da Uber, trouxe algo que as mulheres já sabiam: entre 2018 e 2022 a violência não letal contra essa parcela da população cresceu 19%. Se a linha do tempo for maior, de dez anos, essa taxa passa para 92%. Entre as vítimas, mais da metade eram negras ou pardas.
“Isso não quer dizer que todo homem…”
Quer. Em uma semana na qual vimos um jogador condenado por um estupro coletivo ser preso com uma década de atraso, também vimos outro sair da prisão de cabeça erguida (que pessoa honrada!). Dois brasileiros, ambos apoiados e ovacionados por seus pares, ambos estupradores.
Eles são diferentes dos homens do seu círculo de convivência? Arrisco dizer que não, afinal, se todos fossem, de fato, diferentes, não estaríamos batendo nessa mesma tecla, lutando há séculos uma mesma batalha. Obviamente nem todos os homens estuprariam ou seriam algozes violentos. Mas todos, em certa medida, calam-se (ou falam impropérios para meninas no mercado). Como diz o ditado, quem cala, consente.
O silêncio fortalece as diferentes violências a que somos submetidas. É preciso derrubar barreiras (algumas próprias) e defender mulheres para além das paredes de casa e dos grupos de amigos. Enquanto isso não mudar, infelizmente: Todo homem, sim.
* Durante todo o mês de março, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por mulheres que compõem a equipe da Alter Conteúdo e convidadas. Mais do que uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, nosso objetivo é trazer reflexões variadas sobre a construção do feminino e suas implicações no dia a dia das mulheres.