Enquanto o mundo assiste incrédulo ao dilúvio que assolou a área desértica de Dubai, com o registro chuvas equivalentes ao que estava previsto para cair nos próximos dois anos sobre a região, celebramos no Brasil a Semana dos Povos Indígenas. Os 13 mil quilômetros de distância entre esses dois eixos temáticos parecem inexistir se quisermos olhar para um futuro possível.
Já é tradicional que brasileiros e brasileiras só despertem para determinados temas quando ele viraliza de certa forma. As chuvas de Dubai estavam ontem em 10 de 10 stories no Instagram, disputando espaço com o vencedor do BBB. Assim como a semana dos povos indígenas é, de todas as outras do ano, a escolhida para que o Brasil descubra a cultura indígena numa espécie de micareta, que se repete em relação à consciência negra no mês de novembro.
Davi Kopenawa abriu a semana no Roda Viva, da TV Cultura, cobrando ações mais efetivas pelo sangue derramado por garimpeiros em seu povo ianomami. “Foi muito bom que dois líderes importantes foram lá, mas não falaram nada sobre a retirada dos garimpeiros”, disse o líder, sobre a visita dos presidentes Lula e Macron, ocorrida na semana passada.
No mesmo momento que Kopenawa falava, a Rede Globo exibia o especial Falas da Terra, em que cidadãos comuns eram convidados a identificar em que lugares do mundo estavam localizadas determinadas tragédias: homem queimado na rua, mortes por fome, extermínio de vidas por guerra com garimpo. Gaza, Etiópia, “algum lugar da África”, e até Estados Unidos foram citados.
Foram obrigados a exercitar uma empatia que inexiste no País com relação aos seus povos originários, sendo confrontados por Valdelice Veron, liderança dos Guarani Kaiowa, que contou um a um os que tombaram em sua família desde a década de 50, assassinados nesta guerra que só é silenciosa para um dos lados.
Na Agência Brasil, em entrevista “especial” pela semana de celebração, Daniel Munduruku solta o verbo: “O fato de estarmos na literatura, na academia, na política, em vários lugares, pode gerar a autoilusão de acharmos que estamos fazendo uma grande coisa quando, na verdade, só estamos ajudando a, de certa forma, alimentar o sistema econômico que rejeitamos”.
Sua entrevista divide o noticiário com duas outras diretamente relacionadas. Numa delas, a Pública traz a lentidão da demarcação de terras. Na outra, a resistência dos povos indígenas à perfuração de áreas de petróleo na Foz do Amazonas.
Fazer o nexo causal entre a sabedoria ancestral dos povos originários, sua relação com a preservação da natureza, o devido e merecido respeito que lhes foi negado ao longo do tempo, e as consequências das ações desastrosas impingidas pelo homem branco ao ambiente que o sustenta não parece mais ser uma opção entre inúmeras alternativas.
Para pegar emprestado o tema da reflexão de outra liderança indígena, Ailton Krenak, recém-empossado na Academia Brasileira de Letras, numa irremediável reparação histórica, é preciso mais que “ideias” para adiar o fim do mundo que estamos vendo diante dos nossos olhos. É preciso ações efetivas. De governo, empresas, escolas, associações, ONGs e pessoas. Indivíduos. Como eu e como você que me lê.
“Compreender o organismo da Terra, com sua magnífica potência de vida, é pacificar nossa fúria por consumo”, “pregou” Krenak em entrevista ao podcast O Assunto. Consegue compreender?