No fim de semana passado, Ariela Nascimento estava em um bar em Cabo Frio, na Região dos Lagos fluminense, com seu namorado, Bruno. Enquanto trocavam carinhos e afetos comuns entre casais, foram ofendidos verbalmente por um homem. Incomodados com a situação, decidiram deixar o local. Mas, na saída, o casal foi surpreendido por outro grupo de homens, que os agrediram fisicamente.
A cerca de 150 quilômetros dali, na praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, Madonna Louise Veronica Ciccone fazia um show histórico. Reunindo cerca de 1,6 milhão de pessoas, a cantora revisitou seus 40 anos de carreira. Um tempo marcado por reivindicações de equidade de gênero, liberdade sexual, igualdade racial e valorização da idade. Nas redes sociais, foi duramente atacada, fazendo com que o termo ‘Sodoma e Gomorra’ – uma alusão bíblica a duas cidades ‘castigadas’ por Deus por supostamente serem ‘locais de libertinagem’ – atingisse os trending topics.
Ariela Nascimento é uma professora, assessora da vereadora Benny Briolly, de Niterói (RJ), e assim como a parlamentar, é uma mulher trans. Seu namorado, Bruno, é um homem trans. E Madonna é uma mulher cis, de 65 anos, que, em seu show, mostrou, entre outras coisas, que uma ‘senhora’ como ela pode fazer tudo – inclusive sexualmente.
Em um post no Instagram, com imagens fortes, Ariela exibe as marcas que as agressões deixaram no seu corpo. E desabafou: ‘Eu simplesmente não tenho palavras para descrever toda a dor que sinto e o trauma que foi vivenciar, meu corpo todo está com marcas profundas, meu rosto não é mais o mesmo e tô com medo do que pode acontecer com os golpes que eu tomei […] Confesso que estou extremamente abalada e sem entender o que fazer agora, já realizamos o boletim de ocorrência e corpo de delito’.
Dor e trauma que Madonna, em seu espetáculo, reconheceu como algo comum a grupos minorizados, como os LGBTQIA+. E tentou transformar em resistência: ‘Nada de medo. Nada de medo. Eu vou lutar por vocês até o dia da minha morte’.
Não há como terminar essa reflexão diante de dois fatos aparentemente tão díspares, mas que estão diretamente relacionados, sem citar uma outra frase da cantora. A expressão também foi proferida por ela em seu show em Copacabana, mas originalmente incluída no videoclipe de sua música ‘Justify my love’, lançado em 1990 e censurado em várias emissoras de TV dos EUA à época: ‘Pobre da pessoa cujo prazer depende da permissão de outra pessoa’.
Mas, frise-se, quando essa ‘pobreza’ se desdobra em violência contra quem, ao contrário, permite-se ter prazer, de qualquer ordem – incluindo de apenas ser quem se quer ser –, ela vira crime. E como tal deve ser investigado, julgado e punido.