Não é novidade que a população mundial, Brasil incluso, está envelhecendo. Tendência já observada nos países ricos há décadas, o envelhecimento está “chegando” às nações em desenvolvimento. E basicamente por motivos semelhantes: redução das taxas de natalidade; avanço da medicina e da farmacologia, com mais tratamentos disponíveis; e melhoria da qualidade de vida de um modo geral, com uma maior percepção da necessidade do cuidado de si.
Deixemos de lado o fato óbvio de que o envelhecimento, que deveria ser um direito universal garantido a todos/as/es, é um desafio de acordo com a classe social, a raça, o gênero e a sexualidade. Apesar disso, de modo geral, há mais chances hoje de se chegar aos 80 do que 50 anos atrás, pelas razões já citadas. No entanto, uma nova variável pode frear essa perspectiva: a crise climática.
Hoje, 14% da população mundial com mais de 69 anos já sofre exposição crônica ao calor. No entanto, o estudo ‘Global projections of heat exposure of older adults’, publicado na revista científica Nature Communications, projeta que a fatia dos idosos sob tal condição vai chegar a quase 25% até 2050. A previsão é que até lá sejam quase 250 milhões de idosos vivendo em um planeta cada vez mais afetado pelo aquecimento global. E a exposição a altas temperaturas pode causar desidratação, distúrbios de sódio, disfunção renal e até mesmo a morte, riscos que são aumentados entre os mais velhos.
A pesquisa reforça outros estudos que mostram como as mudanças climáticas serão particularmente mais cruéis com as pessoas velhas, entre outros grupos também mais ameaçados. Como mostra o Um só planeta, um estudo global da revista científica The Lancet apontou que a crise climática deve aumentar em 4,7 vezes as mortes de idosos relacionadas com o calor até meados do século se os governos nada fizerem em relação ao aquecimento global.
Se de um lado os governos precisam agir contra a crise climática, de outro precisam dar o devido valor à variável climática nas políticas públicas de saúde coletiva, reforça o professor da Faculdade de Medicina da USP, Eduardo Ferriolli. “A gente precisa, de preferência, prevenir. Como sociedade, temos obrigação de cuidar dos nossos idosos”, disse ele à Folha.
O mesmo progresso científico que fez as pessoas viverem mais aponta as soluções para estancar a crise climática do planeta. E somente a devida atenção a este segundo ponto, com um olhar particular para grupos minorizados como os idosos, vai garantir a perenidade da “conquista” da longevidade. Somente assim também poderemos caminhar para tornar um envelhecimento um direito humano inalienável, independentemente de classe social, gênero, raça ou sexualidade.