Escolher entre as dezenas de sessões simultâneas de debates que acontecem na zona azul da COP16, em Cali, em paralelo às negociações oficiais é um dos maiores desafios de quem está por aqui. Mas no final do dia na quinta tive a sensação de estar no lugar certo e na hora certa em pelo menos duas ocasiões de debateram sobre como o setor privado pode contribuir para a preservação da biodiversidade, que tocaram em pontos sensíveis e um obstáculo que é essencial a ser transposto: como transformar compromissos globais, como o Global Biodiversity Framework (GBF), em ações práticas no Brasil?
Juliana Lopes, diretora do CEBDS, destacou que o Brasil, com sua imensa biodiversidade, não pode se dar ao luxo de tratar seu patrimônio natural como uma questão marginal. Em suas palavras, “Sem clareza regulatória, ficamos no campo das boas intenções.” Ao mencionar o projeto Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), que envolve 20 grandes empresas brasileiras, Juliana afirmou que a realidade é que o setor privado hesita em dar passos concretos: “Se não formos capazes de integrar biodiversidade e produção, seremos duplamente penalizados. Perdemos biodiversidade e competitividade internacional.”
Karen Ellis, da WWF, reforçou que os governos precisam avançar rapidamente com planos estratégicos de biodiversidade, cobrindo todos os objetivos do Global Biodiversity Framework (GBF). Ela destacou que é necessário “garantir que a legislação, o gasto público e a arquitetura política mais ampla integrem a natureza de uma forma a incentivar e tornar possível que empresas e mercado financeiro apoiem o GBF.” Karen ainda completou que o ideal é que a integração entre biodiversidade e clima seja tratada de maneira holística e prática, superando a fragmentação comum nas abordagens atuais.
Matt InBusch, do WBCSD, foi mais incisivo ao apontar que os subsídios agrícolas são uma barreira massiva. “Estamos despejando US$ 500 bilhões por ano em subsídios para práticas que destroem o meio ambiente. Isso precisa ser corrigido de forma radical”, disse InBusch, destacando que esse incentivo equivocado torna qualquer progresso nas metas de biodiversidade mais lento e complexo.
Não muito distante dali, a Corporação Financeira Internacional (IFC), braço financeiro do Banco Mundial para investimentos privados, apresentou uma visão pragmática em um painel sobre investimentos em soluções baseadas na natureza, com foco em países emergentes. Um exemplo concreto é o investimento de US$ 50 milhões em um projeto no Cerrado brasileiro, em parceria com o BTG Pactual, que mobilizou mais de US$ 1 bilhão para restaurar 135 mil hectares. A executiva da IFC, Helena Dill, mencionou que integrar esses projetos a grandes empreendimentos de infraestrutura “garante que sejam financiados por capital privado” e cria uma escala que torna o financiamento viável.
Entre todos, e mais alguns ouvidos nos bastidores do evento, o consenso é de que no Brasil, a biodiversidade não pode mais ser uma oportunidade deixada à margem. Se o país continuar hesitando em regulamentar práticas sustentáveis e integrar biodiversidade e economia, corre o risco de comprometer um ativo vital e uma posição estratégica no cenário global.