Era uma manhã comum, e eu estava levando minha filha Beatriz para a creche. Enquanto esperávamos o sinal fechar, um senhor se aproximou, olhou para ela e, sorrindo, disse: “Que lindinha! Esses olhinhos são de uma japonesinha.” Ri e respondi que, coincidentemente, ela era neta de japonês. Ele, então, se identificou como descendente de portugueses, como se isso fosse uma herança que o colocava em uma posição privilegiada, e continuou fazendo gracinhas para ela.
Quando eu já estava prestes a atravessar, ele soltou: “Muito lindinha, espero que não fique com a cor da mãe.” E seguiu seu caminho, como se tivesse feito um elogio. Atônita, só consegui murmurar um “obrigada”.
Naquela troca aparentemente inofensiva, revelava-se o peso do pensamento eurocêntrico, que valoriza a brancura e rejeita tudo o que foge desse padrão. Ele talvez não visse maldade em suas palavras, mas elas expunham o racismo que permeia nosso cotidiano e se perpetua em pequenos gestos e expressões. “É impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está em nós e contra o qual devemos lutar sempre”, como disse Djamila Ribeiro. A frase me veio à mente naquele instante.
Enquanto caminhávamos, pensei em como a vida de Beatriz, sendo uma menina branca, poderia ser diferente da minha. Quero que ela cresça sabendo que, mesmo em um corpo que talvez nunca experimente o preconceito na própria pele, ela tem a responsabilidade de entender e combater a discriminação à sua volta.
Quero que Beatriz cresça consciente de que carrega a herança da minha cor – uma herança que, embora invisível nela, faz parte de quem ela é. Que ela não apenas tolere, mas celebre as diferenças, compreendendo que é na pluralidade que se encontra a verdadeira riqueza da humanidade.
Quando olho para ela, vejo o futuro que almejo: um futuro onde comentários como o daquele senhor sejam apenas memórias de um tempo em que a cor da pele definia limites e oportunidades. Um futuro em que a cor da mãe, dos avós e de tantas gerações seja motivo de orgulho, e não de exclusão. Beatriz, assim, será parte de uma geração que não carrega o preconceito, mas sim o compromisso de mudar o mundo.
* Em novembro, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por autoras e autores negras e negros. Um símbolo para que ultrapassemos — enquanto sociedade — as fronteiras do mês e tenhamos vozes negras sempre, ativas e ecoantes. Acompanhe conosco!