A empregada mensalista que não sabe ler. O chofer que mal consegue se comunicar. Os escravizados no tronco e na senzala. Os moradores de comunidades carentes. O bandido. O vilão.
A história do audiovisual está recheada de personagens negros baseados em estereótipos e na mesmice. E, apesar de sermos, no Brasil, 55,5% da população, segundo o Censo 2022, dificilmente nos vemos representados em quantidade e qualidade pelo nosso audiovisual.
Somos muito mais do que coadjuvantes. E não merecemos cotas, mas o reconhecimento e a valorização de nossa importância e nossos talentos. Espaços que vão além dos tipos supracitados. Somos médicos, militares, advogados, cantores, pintores, dançarinos, padeiros, pedreiros, engenheiros e jornalistas. Somos múltiplos. Somos plurais.
E temos assunto! Sabemos de política à religião, mas sem esquecer do futebol e do Carnaval. Gostamos de uma cervejinha gelada, mas também pensamos no futuro e nos preocupamos com as finanças, investindo em CDB e em imóveis. Somos leves, somos resistentes, somos divertidos e gostamos de um afeto verdadeiro e palavras doces. Mas também falamos palavrão. Nossas histórias vão além da cor, da dor e do racismo. Ultrapassam tudo o que já se contou sobre nós.
Somos humanos, somos diferentes uns dos outros, e merecemos ser retratados a partir de olhares sensíveis e inclusivos. O cinema, a tv e os streamings têm efeito educador e inspirador. E isso não vale só para crianças, que podem sonhar com futuros diversos a partir de príncipes, heroínas e – por que não? – dentistas negros. Nós, adultos, não queremos ser apagados. Nossa história tem merecimento. Nosso suor tem valor. E nada mais emocionante do que vermos um dos nossos ganhando importância, audiência, preferência.
Na última semana, conquistamos o feito de ter três protagonistas negras nas novelas de maior visibilidade do país. Uma chef de cozinha bem-sucedida, uma jovem batalhadora e uma mocinha clássica em busca de seu passado. Enquanto isso, a Disney segue desumanizando negros em suas animações. Tiana passa a maior parte de seu filme como sapo, Lance Sterling vira um pombo, e Joe Gardner, de ‘Soul’, em pouco tempo de filme se torna uma alma azul. O tempo de tela é tão importante para a representatividade quanto as características de um personagem.
Há muito caminho a percorrer. Mas celebro ao ver filmes gigantes como ‘Pantera Negra’ (Marvel/Disney) e ‘A Mulher Rei’ (Sony Pictures) fazerem, aos poucos, a mudança acontecer.
Somos herdeiros de uma raça que precisa se entender bela e forte, e ser valorizada. E merecemos todo e qualquer espaço que quisermos conquistar.
* Em novembro, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por autoras e autores negras e negros. Um símbolo para que ultrapassemos — enquanto sociedade — as fronteiras do mês e tenhamos vozes negras sempre, ativas e ecoantes. Acompanhe conosco!