25 de novembro de 2024 | Estratégia ESG, ,

Como a produção de dados pode colaborar para a causa antirracista?

Por Elena Wesley

Na década de 1940, o Brasil realizou o primeiro Censo das Favelas, a fim de comprovar a tese de que elas seriam um problema social a ser solucionado com a remoção dos que ali habitavam. Contudo, os dados indicaram, por exemplo, que 48% dessa população era alfabetizada – porcentagem maior que a de áreas com mais acesso à educação. A partir de então, a favela começa a ser encarada de outra maneira.

A colaboração da sociedade civil na formulação de políticas públicas foi ganhando fôlego, mas o diagnóstico sobre as populações marginalizadas permanece um desafio frente às falhas na representatividade dos dados governamentais. O data_labe, organização de dados com sede no Rio de Janeiro, luta contra esse problema e conseguiu identificar inconsistências nas informações sobre saneamento básico no conjunto de favelas da Maré. Um de seus projetos, o CocôZap, registrou 120 queixas somente entre janeiro e abril de 2021, enquanto IBGE e Data.Rio apontavam a existência de esgoto a céu aberto em apenas alguns pontos da região.

O CocôZap mapeia e pesquisa o saneamento básico nas favelas desde 2018, e ajuda a explicar a Geração Cidadã de Dados (GCD), estratégia adotada por organizações da sociedade civil para obter diagnósticos mais reais sobre as comunidades. A metodologia propõe uma coleta de dados feita coletivamente, de forma aberta e pública, na qual os usuários são protagonistas e têm consciência de seus processos e propósitos.

No CocôZap, os moradores enviam, via WhatsApp, queixas sobre coleta de lixo, abastecimento de água, vazamento ou tratamento de esgoto. Os dados são georreferenciados num mapa com o objetivo de retratar o saneamento na Maré e, assim, incidir em políticas que garantam aos moradores o acesso a esse direito.

A Geração Cidadã de Dados também colabora para visibilizar os desafios globais que têm afetado as comunidades, como a questão climática, que vem deixando de ser entendida como o derretimento das calotas polares no Ártico para ser percebida nas enchentes e nos deslizamentos cada vez mais frequentes em nosso cotidiano. A chance de vulnerabilidade a tais acontecimentos se potencializa para alguns grupos por influência de sua raça, etnia, classe e moradia.

É nesse contexto que se destaca o Observatório do Marajó, organização que engaja comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhas para monitorar indicadores e propor políticas públicas que assegurem os direitos dos 17 municípios que compõem a Ilha do Marajó. A partir de tecnologias desenvolvidas pela própria população, o Observatório analisa cerca de 15 situações de calamidade climática como secas de rios, queimadas, enchentes, doenças respiratórias e queda de energia elétrica ou de internet. Os dados coletados baseiam ações a serem sugeridas aos governos.

Há quase um século, a ciência derrubou medidas respaldadas em estereótipos racistas. E conforme a população se torna cada vez mais protagonista na produção de dados, caminhamos para que políticas públicas sejam ainda mais atentas à equidade racial.

* Em novembro, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por autoras e autores negras e negros. Um símbolo para que ultrapassemos — enquanto sociedade — as fronteiras do mês e tenhamos vozes negras sempre, ativas e ecoantes. Acompanhe conosco!

Por: Elena Wesley