26 de novembro de 2024 | Estratégia ESG, , ,

A arte molda o mundo

Por Airá Ocrespo

Eu realmente acredito que a arte molda o mundo, especialmente o mundo moderno. Para desenvolver essa afirmação, preciso explicar o que entendo por ‘Arte’ e por ‘Mundo’.

Penso que ‘Arte’ é a manifestação da necessidade humana de se expressar. Tendo forma material ou não, essa definição muda conforme a época, o território e os contextos sociais. Já ‘Mundo’ não é o planeta físico, mas sim uma construção simbólica que cada povo define buscando uma coesão social.

Assim como a ideia de mundo, a de arte partiu da imaginação de alguém, uma série de narrativas que se sobrepõe no decorrer da história, sejam de acordo com interesses político-econômicos, sejam da força imaginativa e brilhantismo de quem as cria. Ideias carregam significados, mas esses não são universais, dependem de acordos culturais.

Vinda da capacidade humana de produzir, interpretar e compartilhar símbolos, a linguagem é o principal mecanismo humano de comunicação. É um sistema baseado na concordância entre as partes, em que ao menos duas pessoas precisam associar algo a um significado. Seja um som, um gesto, um objeto ou uma simples letra, um símbolo possui significados que só são compreendidos por quem os reconhece.

A capacidade de associar em conjunto uma série de significados faz da identificação e do entendimento coletivo dos símbolos uma arma para que ideais sejam disseminados, compreendidos e perpetuados, devido ao modo como é exercida a influência, que independe da vontade do receptor, o qual pode apenas filtrar de acordo com suas subjetividades.

A arte multiplica seu poder devido ao campo simbólico de atingir diretamente o emocional, conseguindo assim ultrapassar as barreiras da lógica e da razão. Músicas, pinturas ou filmes conseguem comunicar ideias de forma tão profunda e progressiva, que, na maioria das vezes, quem recebe sequer percebe o impacto que aquilo exerce sobre si. Essa sutileza torna a arte uma ‘programação invisível’, ajudando a direcionar pensamentos e comportamentos, de acordo com os interesses ideológicos das classes que dominam a produção cultural, no decorrer de boa parte da civilização humana.

Cientificamente estudado e utilizado pela história, a construção de versões de realidade – ou criação de narrativas – e o seu reforço através de potentes simbolismos dá aos indivíduos de uma sociedade as pistas sobre como agir naquele meio. Religiões criaram templos e imagens grandiosas para refletir suas histórias, impressionar e convencer. Monarcas e elites financiaram obras que os exibiam em superioridade, usando o luxo para aumentar a sensação de valor e de distanciamento.

No mundo contemporâneo, empresas usam de artifícios artísticos através da publicidade, do design, do audiovisual etc., para estimular hábitos de consumo e influenciar comportamentos, criando tendências que se expandem de pequenos grupos e chegam a impactar a sociedade em nível global, tornando-se até mesmo uma tradição. Nos superconectados dias atuais, não podemos nos esquecer dos grupos políticos que, de forma menos sofisticada na estética, mas coordenada na logística, se utilizam desses mesmos artifícios artísticos para gerar desinformação em massa, criando uma verdadeira guerra psicológica, devido à metodologia que usam e aos objetivos que possuem.

A arte molda o mundo porque permite gerar, arrumar e dar forma estruturada a narrativas que guiam nossa noção de realidade, estimulando uniões de indivíduos distintos em torno de bases simbólicas de significados comuns. Criando e consolidando padrões, costumes, normas e crenças, reconhecer seu papel engenhoso na formação da sociedade, expande nossa análise crítica e esvazia mitos, favorecendo o desprendimento de heranças colonialistas que sufocam o planeta, abrindo, assim, espaço mental para que novas possibilidades de existir no mundo possam fazer mais sentido e se tornem mais próximas e palatáveis.

* Em novembro, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por autoras e autores negras e negros. Um símbolo para que ultrapassemos — enquanto sociedade — as fronteiras do mês e tenhamos vozes negras sempre, ativas e ecoantes. Acompanhe conosco!

Por: Airá Ocrespo