3 de dezembro de 2024 | Estratégia ESG, ,

A escala 6×1 e eu

Por Luisa Mattos

Aconteceu duas vezes. Eu, em início de carreira – mas já morando sozinha e cheia de boletos para pagar –, fique desempregada. O Natal se aproximava e várias lojas ostentavam a plaquinha: ‘procura-se vendedora’. Não era meu emprego dos sonhos, mas o acúmulo das contas era um imperativo. A escala de trabalho, claro, era 6×1.

Apesar dos meus privilégios de mulher branca com ensino superior – incompleto, à época –, sou filha das classes trabalhadoras do subúrbio carioca. E era de lá que eu saía para vender roupa para dondocas da Zona Sul. Duas horas em dois ônibus, trajeto Avenida Brasil-Leopoldina-Rebouças-Lagoa-Rua Vieira Souto. Ida e volta. Seis dias por semana.

Eu me perguntava como seria viver naquela situação por muito tempo. Como passar um fim de semana na Região dos Lagos? Ou visitar meus avós que moravam longe? Como ir ao banco, ao cartório? Como eu ia conseguir continuar estudando? E eu nem tinha filho!

Nesse cenário, imagino uma infinidade de outras perguntas! E às vésperas do Natal, tudo fica pior: os vendedores são obrigados a trabalhar de 10 a 12 horas por dia. Em pé. Subindo e descendo escada, indo e vindo do estoque – onde, em geral, há uma única cadeira para toda uma equipe e, portanto, resta apenas o chão para se sentar nos poucos minutos de descanso.

O salário? É baixo. Mal dá para o aluguel. Mas é melhor do que nada. No meu privilegiado caso, no fim das contas, passei apenas uns três meses em cada um desses empregos e logo fui realocada na minha área. Portanto, minha experiência é apenas um fragmento do que tantos brasileiros vivenciam durante anos sob essa escala desumana.

A revolta contra a 6×1 entrou para a ordem do dia sob a liderança do movimento VAT – Vida Além do Trabalho, pressionando deputados pela tramitação da PEC da deputada Érika Hilton sobre o tema. Dizem que no projeto faltam informações para tocarmos esse barco – e parece ser verdade. Mas que seja o começo dessa conversa há tanto tempo jogada para escanteio em nome da conveniência e do lucro de alguns. Que sociedade sadia pode permitir que tanta gente viva sem descanso? Como se pode naturalizar o sacrifício da saúde desses trabalhadores, além do tão sagrado convívio com suas famílias?

Reconheço não ser uma discussão simples. Segundo o IBGE, cerca de 19 milhões de pessoas estão empregadas no setor comercial, que sofreria maior impacto em caso de aprovação da PEC, ao lado do segmento de serviços. Mas desejo que essa pauta tome as redes, as ruas, o Congresso… e que encontremos a melhor maneira de que, por fim, a escala 6×1 seja morta e enterrada!

Por: Luisa Mattos