14 de julho de 2023 | Estratégia ESG, , , ,

Aquilo que foi feito para não funcionar

Por Eduardo Nunes

As estruturas no Brasil foram feitas para não funcionar. Quando o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, proferiu essa frase, se referia à estrutura legal que protege a oligarquia do nosso país. Se referia ao modus operandi sistêmico, estrutural e generalizado de fazer negócios e política no Brasil: à corrupção e ao sistema organizado para beneficiar os nababos. O foro privilegiado é um exemplo tangível desse tipo de estrutura citada por Barroso, mas há outros casos nas mais diversas instituições, como no próprio Poder Judiciário e também no Ministério Público.

De fato, a percepção é que as estruturas por aqui foram feitas para não funcionar. Pelo menos não para aquele que não faz parte do baronato! Esta semana, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou um benefício que permite que juízes e promotores do estado recebam em folgas a gratificação por acúmulo de funções ou excesso de processos. A manobra permite driblar o teto constitucional do funcionalismo público, que é de R$ 46 mil. As folgas acumuladas (dez por mês, no máximo) poderão ser posteriormente ‘vendidas’. E esse valor – que pode chegar a até R$ 10 mil por mês – não entra na limitação do teto.

Em um país de extremos, enquanto uns têm muito, muitos têm pouco, muito pouco ou não têm nada mesmo. Em paralelo à discussão sobre o uso de Inteligência Artificial para diferentes atividades, há uma realidade no Brasil, que tem 3.400 escolas sem acesso à rede de energia elétrica, 9.500 sem Internet e 46.100 sem laboratórios de informática, conforme dados do Painel Conectividade nas Escolas, da Anatel. Dá pra falar em tecnologia em um país com escolas onde a luz elétrica não chegou? Dá, claro. O ponto não é esse.

Nessa toada, vai muito além da ironia o anúncio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ontem, de previsão de recorde na produção de grãos (mais de 317,5 milhões de toneladas), um dia depois de a ONU divulgar relatório que indica que há 21 milhões de brasileiros que não têm o que comer todos os dias. Ainda nesse embalo, na última quarta-feira (12/7), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sancionou a lei que proíbe a venda ou a oferta de alimentos e bebidas ultraprocessados em cantinas e refeitórios das escolas localizadas na capital fluminense. O objetivo é evitar a obesidade, o que é ótimo! Afinal, se você é o que você come, é essencial regular o tipo de alimento que é oferecido para as novas gerações nas escolas. Isso não se discute, logicamente. Dá pra falar em combate à obesidade em um país com milhões de pessoas passando fome. Esse não é o ponto.

O ponto é que, embora o Brasil seja um só, há um abismo social e econômico vigente que é sustentado por estruturas históricas, que foram alicerçadas e se mantêm firmes para defender os interesses daqueles que estão no poder há anos. Essa estrutura viciada não nos permite resgatar de fato aqueles que não têm o que comer todos os dias; que não têm acesso a luz elétrica, água encanada, esgoto tratado, segurança pública, espaços de lazer, educação de qualidade…

Esse modelo de estrutura, que foi feito para funcionar conforme a conveniência e o interesse das oligarquias, não está funcionando para todos os demais. E a responsabilidade deve ser compartilhada entre governos, empresas, organizações civis. Não dá pra falar em ESG sem enfrentar essas questões de peito aberto.

Por: Eduardo Nunes