Acompanhar os bastidores de Hollywood sempre foi um dos nosso grandes fetiches. Por isso, se o sindicato dos atores de Hollywood (SAG-AFTRA, na sigla em inglês), que representa mais de 160 mil atores de televisão e cinema, decide parar, e atrasar nossa série favorita, claro que a causa passa a atrair nossos olhares. Aumentos salariais, divisão mais justa dos lucros, melhores condições de trabalho, regras para o uso de conteúdo gerado por inteligência artificial (IA). Nada de novo. Não é preciso ir à California para conhecer essas reivindicações. Está embaixo de nossos narizes. Só não vemos porque coexistimos com falsos tapumes.
A precarização do trabalho passou como uma onda por nossas vidas, e o que ficou foi o conforto, não é mesmo? Uber, iFood e similares. Não estamos atentos às questões trabalhistas há um bom tempo. Da faxineira que atua em casa ao entregador que agora já nem encaramos, já que eles deixam tudo na portaria e nem sobem até sua casa, passamos a relevar o trabalho alheio em prol do nosso conforto. Em 2020, trabalhadores do iFood reivindicavam máscaras para trabalhar a pandemia. Quem se lembra? Mais interessante saber como a inteligência artificial vai deixar ainda mais prático meu pedido, não é?
Outro ótimo exemplo dos nossos tapumes, quase secular, talvez seja a existência do elevador de serviço, que teve sua existência dissecada na Revista Piauí pela Gabriella Figueiredo, criada pelo porteiro de prédio na zona Sul carioca, formada em letras, e com seus traumas ainda latentes, dada a limitação que a vida logo cedo lhe impôs em seu direito de ir e vir. Separar as classes em dois elevadores é uma forma de não querer ver “com os próprios olhos” outras camadas da sociedade. É não exercer a alteridade, e, portanto, findar qualquer exercício de empatia. Não olhar nos olhos de outrem é se isolar em bolhas, em camadas superficiais da sociedade que não traduzem o País.
“Seja em casa, no elevador, na rua, no trabalho, no voto, na cobrança ou na informação, é hora de derrubar tapumes e divisórias. Até que o país inteiro tenha acesso ao mesmo elevador. É o mínimo do mínimo”, bradou Dorrit Harazim, no Globo de domingo. Mas o problema é mais embaixo.
A taxa de desemprego no Brasil alcançou a marca de 8,8% – o menor patamar desde 2015, o que é uma ótima notícia –, mas é preciso ir além. Quais são os tipos de trabalho que estamos oferecendo? Qual o nível de precarização do trabalho com o qual o nosso conforto vai aceitar conviver? Para o que mais vamos vendar os nossos olhos?
Domenico de Masi, o guru do ócio criativo, em recente aula magna promovida pelo Instituto Liberta, para cerca de 200 mil espectadores brasileiros, repetiu seu bordão que sustenta toda a sua obra e perpassa os capítulos de “O Trabalho no Século XXI”, seu último livro lançado: “O homem não nasceu para trabalhar, mas sim para descansar”, e sustenta com a argumentação de que tudo o que o homem criou foi para ter menos trabalho: a roda, a máquina, e, agora, a inteligência artificial. Perverso o mundo em que as criaturas se viram contra os criadores e roubam-lhe o sustento. Perverso o mundo em que as pessoas pregam sustentabilidade e não equilibram o sustento de todos na mesma régua.