— E onde está o Curupira?
— Ninguém sabe. A cidade cresceu. A floresta diminuiu e… ninguém nunca mais viu ele. (Em Cidade Invisível, Temporada 1, Netflix)
Grávida de milhões de significados, a palavra ‘Amazônia’ traz consigo sensações que vão desde o cheiro da floresta depois da chuva, passando pelo balançar do barco e suas redes de dormir, pelas praias de rio, pelas mãos que extraem açaí, pela dedicação dos que preparam o tacacá com capricho para os turistas.
Mas a palavra ‘Amazônia’ também guarda memórias de dor e morte: ali, árvores caem. Acolá, madeira circula ilegalmente. Acima, tiros disparados e revoada silenciosa. Abaixo, indígenas, garimpeiros, madeireiros numa disputa sofrida por terra. E crianças sem escola. E difícil acesso à saúde. Há muita beleza. Há muita tristeza. Há soberania e orgulho. Há ganância e abandono. Diga lá: quem deixará de sentir saudades da voz do indigenista Bruno Araújo feliz em seu cântico. Por quê?
A Amazônia tem seu lado pop, com famosos que compram a causa e se atiram em incríveis arenas midiáticas. Não à toa, na década de 1980, um poeta celebrou o encontro de Raoni com Sting. Dizia Luis Turiba: “Ou a gente se Raoni ou a gente se Sting / Uma metade passa fome outra metade faz regime”. Tantos anos depois, as discrepâncias continuam.
Terça-feira, 5 de setembro em Brasília. Dia da Amazônia. Distante da floresta tropical, no centro do país, em meio ao calor do Cerrado, uma cerimônia no Palácio do Planalto reuniu o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. O site Gov.br celebrava com direito a foto dos dois sorridentes. Abraçado a Marina, Lula está com o polegar para cima: “A área sob alertas de desmatamento na Amazônia caiu 48% de janeiro a agosto de 2023 em relação ao mesmo período do ano anterior”. Os dados são do sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Sem dúvida, bons dados para uma data comemorativa, mas somente esses dados não bastam. Lula e Marina sabem disso. As comunidades da Amazônia, que vivem na pele os maiores desafios enfrentados pelos gestores públicos, sabem disso. Até o Curupira sabe disso.
Ao abrir entrevista com a ministra na Rádio Nacional da Amazônia, a radialista Mara Régia, uma celebridade nas mais longínquas comunidades da Amazônia, mandou ver:
‘Infelizmente quem manda em tudo é a ganância humana, ganância incontida daqueles que insistem em desconhecer os perigos que rondam a maior floresta tropical do planeta’. E passou a questionar a ministra, que não se fez de rogada e deu nome aos bois que ameaçam a região.
Marina citou a Cúpula da Amazônia e disse que os 8 países debateram como unir forças para proteger a região. Disse também que a expectativa é agir integradamente, inclusive no que diz respeito aos sistemas de segurança. ‘Hoje a Amazônia, Mara, está atravessada por muitas criminalidades: exploração ilegal de madeira, queimada ilegal, pesca ilegal, tráfico de droga, tráfico de armas, garimpo ilegal, como a gente vê no caso dos Yanomamis…”
Marina fez questão de dizer que é preciso desenvolvimento, mas com respeito à biodiversidade. ‘Não seríamos quem nós somos sem a Floresta Amazônica, ela nos empresta identidade, uma série de valores que são muito importantes.’
Mas, onde está o Curupira?