28 de setembro de 2023 | Estratégia ESG, ,

É que ele é preto demais*

Por Lia Ribeiro

Nesta semana, enquanto eu almoçava assistindo ao RJTV 1ª edição, duas notícias me chamaram atenção. A primeira relacionada a um episódio de racismo sofrido por Thiago Santos, entregador do aplicativo Zé Delivery, e a outra também relacionada a um episódio de racismo sofrido por Carlos Leandro dos Santos, auditor do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ).

Acredito que, não por acaso, as duas notícias estavam em sequência. Defendo que a pauta daquele dia foi pensada para evidenciar que o racismo vai muito além da classe social, mesmo que este recorte não tenha sido diretamente abordado na matéria. Provavelmente, muitas outras coisas ligam Thiago e Carlos. Para além do sobrenome Santos, são dois homens pretos. E, por serem pretos, estão sujeitos a violência verbal e física direcionada para os seus corpos. 

Mais uma “coincidência” destes dois casos está refletida na outra ponta. No lado daqueles que praticaram o ato racista.

Por Thiago ter se negado a subir até o apartamento de Alexsander Canto Mielke, o agente da Polícia Federal ameaçou o entregador, proferiu xingamentos e apontou uma arma em direção a ele. Já Carlos, que foi até o setor responsável do TCE-RJ para requisitar um veículo a trabalho, teve seu pedido negado, após ter ouvido o coronel Herácles Zillo comentar com outro colega que Carlos deveria cortar o cabelo, além de ter sido comparado a um macaco-prego.

Volto para as semelhanças entre os casos. Não julgo como meras coincidências, pois ataques racistas fazem parte de um sistema de opressão que, claro, primeiramente, tem relação direta com a cor da pele e os traços raciais. Mas o que mais me chamou atenção, nestes dois casos, é que as violências foram cometidas por agentes do Estado. Por policial federal e militar, representantes de instituições autorizadas pelo Estado a serem responsáveis pelo poderio bélico. Com uma ideia – extremamente preocupante – na cabeça e uma arma na mão.

Me chama atenção, mas não me choca. É o modus operandi nas periferias de todo o Brasil, refletindo uma herança perpetuada com base no regime militar.

Como se não bastasse dois homens pretos serem violentados, por conta de seus corpos, por agentes do Estado brasileiro, os atos racistas aconteceram no ambiente de trabalho de Thiago e Carlos. Aqui, eu poderia emendar um discurso de como é importante a representatividade preta em todos os ambientes de trabalho, mas, principalmente, nos cargos de liderança. No entanto, além de eu já ter me alongado demais, se você não entendeu isso até aqui, acho que não vai entender, mesmo se eu continuar escrevendo.

*”É que ele é preto demais
Corre demais, fala demais, sorri demais
Tá estudando demais, comprando demais
Viajando demais e assim não dá mais
Mas ele joga demais, dança demais
E canta demais, é bonito demais
Tá se unindo demais, planejando demais
Assim ele vai passar o meu filho pra trás”

(“Preto demais”, canção de Hugo Ojuara, sambista da cidade do Rio)

Por: Lia Ribeiro