‘Não consigo respirar’: Eu não sei se, quando você lê essa frase, você associa à mesma coisa que eu. Também não sei se você sente o mesmo que eu. Imediatamente eu lembro do assassinato de George Floyd e instantaneamente fico com falta de ar. Não sei se é porque a mente humana faz essas associações entre palavra-sensação ou se é porque a falta de ar é um dos sintomas da ansiedade, e o assunto que eu trago hoje tem me gerado cada vez mais preocupação.
De todo modo, vou respirar fundo e continuar a escrita.
A frase-título me veio rapidamente à cabeça há alguns dias, enquanto eu assistia a um debate com a Françoise Vergès e a Erica Malunguinho. Em um dado momento, Vergés, que nasceu na França, mas possui ascendência tailandesa, comentou que o Sul Global está sendo sufocado. E que, sem ar, não é possível cantar. Logo entendi o canto como manifestação não apenas cultural, mas de resistência.
Ao Sul, destinou-se jornadas exploratórias. Colonização, neocolonização, extrativismo, caça. Mineração, desmatamento, extinção de espécies. Genocídio de populações inteiras que costumavam cantar. Essa é uma perspectiva histórica que continua sendo mantida, enquanto as formas de controle são recicladas. A terceirização do impacto ambiental, gerado a partir do desenvolvimento industrial de países ricos, continua caindo na conta dos países mais pobres.
Em alerta da OMS, os dados relacionados à poluição do ar repartem novamente o planeta em dois: em 17% das cidades de países ricos, o ar está em conformidade com os limites recomendados pela organização. Parece pouco, né? E é! Entretanto, quando se compara aos países de baixa e média rendas, vemos o abismo. Nestes, em menos de 1% das cidades o ar tem uma qualidade razoável.
Não faz sentido debater a crise climática sem o devido recorte de classe, raça e gênero. Para além das discussões sobre as emissões de gases de efeito estufa, a perda da biodiversidade e a desertificação dos solos, é preciso reconhecer que existem populações que são mais afetadas pelas mudanças do clima do que outras. E essa relação é inversamente proporcional ao impacto ambiental que elas causam.
De certo, esse é um ponto que já foi percebido institucionalmente faz tempo. Em 2009, durante a COP15, a necessidade de países ricos arcarem com o prejuízo que veem causando foi reconhecida. Em acordo, foi decidido que um fundo de U$ 100 bilhões por ano seria criado a partir dos cofres de países desenvolvidos, destinados a ações de combate à crise climática em países de baixa renda. A cada COP renova-se a promessa que, até então, não foi cumprida. Com um agravante: o valor, estipulado há 14 anos atrás, já não é mais suficiente para as necessidades atuais.
O cenário é realmente de tirar o fôlego. Mas não em um sentido bom.