O chamado ‘mês da mulher’ vai chegando ao fim e, aos poucos, as pautas ligadas à equidade de gênero vão perdendo espaço nas discussões. Mas as mulheres não podem descansar. É preciso continuar repetindo e reforçando dados e fatos já tratados à exaustão, mas que ainda são ignorados. Os motivos para isso podem ser vários, mas um deles, definitivamente, não é falta de conhecimento.
Existem diferentes registros sobre a origem do Dia Internacional da Mulher. Mas o que todos têm em comum é a causa: a reivindicação das mulheres por melhores condições de trabalho, além do direito ao voto. Parte disso foi conquistado, aqui e ali. Mas ainda estamos muito, muito longe do que podemos chamar “igualdade”.
O dia 8 de março foi oficializado no calendário internacional da ONU em 1977 – tem menos de 50 anos. Mas a luta das mulheres começou muito antes disso. Os primeiros registros de movimentos reivindicatórios de mulheres datam do final do século 19 e início do século 20. E passados mais de 100 anos, ainda temos de repetir as mesmas reivindicações, que podem ser resumidas no fim da desigualdade de gênero, seja no mercado profissional ou no ambiente familiar.
Vamos de mais repetição: dados recentes da Pnad Contínua mostram que as mulheres ocupam 39,3% dos cargos de liderança no Brasil e recebem 78,8% do rendimento dos homens. Essa disparidade não tem nada a ver com diferença de escolaridade ou formação. Pelo contrário. Um levantamento da CNI revela que o tempo de estudo das mulheres empregadas é de 12 anos, em média, enquanto o dos homens é de 10,7 anos.
Quando a mulher é mãe, vou ter que repetir que o cenário é ainda mais difícil. A Pnad mostra que a ocupação de mulheres com crianças de até 6 anos de idade era 9,6% menor do que a daquelas sem crianças em casa. E no caso das mulheres pretas ou pardas essa diferença chega a 10,7%.
Nenhum recrutador, obviamente, vai admitir a existência da barreira da maternidade. Mas ela já aparece no primeiro passo para acessar o mercado de trabalho: as entrevistas. Nelas, as mulheres costumam ser perguntadas sobre quem vai cuidar da criança enquanto ela trabalha, ou se tem alguém para ficar com a filha ou filho se ficar doente. E as mulheres que não são mães também não estão livres: são perguntadas se têm desejo de ser mãe e/ou planos para tal.
Essa preocupação não faz parte do universo masculino. Quando são pais – ou melhor, quando assumem a paternidade –, na imensa maioria dos casos os homens não são os principais responsáveis pelos cuidados com os filhos. Nem com a casa. Assim, eles estão disponíveis para viagens a trabalho, horas extras, participar de eventos noturnos para fazer networking e ter toda a sua atenção focada no trabalho. Jornada dupla ou tripla é coisa de mulher.
Ao longo do dia de trabalho, os homens não estão preocupados em marcar uma consulta, com a alimentação da criança, com as atividades do fim de semana ou em administrar a logística de uma criança em idade escolar (quem leva e busca na escola, atividades extracurriculares, rede de apoio – remunerada ou não – para ficar com a criança quando está em casa), além de qualquer trabalho doméstico.
Já a mulher, quase sempre, é quem assume a responsabilidade por todas essas tarefas. De acordo com o estudo Estatísticas de Gênero, divulgado neste mês pelo IBGE, elas dedicam aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens semanalmente (21,4 horas contra 11 horas). E para as mulheres pretas ou pardas esse tempo é ainda maior – 22 horas semanais.
Repito: ainda há muito a ser conquistado e defendido. O símbolo é o mês de março. A data é internacional. Mas a luta é diária e está muito próxima da realidade de todas as pessoas.
Todos têm responsabilidades – famílias, governos, empresas – e potencial para reduzir as desigualdades entre homens e mulheres. A conscientização e a redistribuição justa das responsabilidades familiares são passos essenciais. É preciso começar o dever dentro de casa, literalmente. Cuidado também tem de ser coisa de homem. Porque não apenas homens deveriam ter o direito de descansar.
* Durante todo o mês de março, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por mulheres que compõem a equipe da Alter Conteúdo e convidadas. Mais do que uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, nosso objetivo é trazer reflexões variadas sobre a construção do feminino e suas implicações no dia a dia das mulheres.