13 de setembro de 2024 | Estratégia ESG, ,

Entre fraldas e relatórios

Por Priscilla Scrivano

Beatriz, minha filha, está com oito meses, e eu sou mãe de primeira viagem. Ela chegou como um furacão delicado, transformando tudo à sua volta. A vida de mãe, como muitos já sabem, é repleta de dilemas, e não apenas pessoais, das noites mal dormidas ou das fraldas trocadas em meio ao caos do dia a dia. Há um outro, muito mais silencioso, que envolve conciliar maternidade e vida profissional. Não é um problema novo, muitas mães reclamam disso, mas continua sendo pouco observada nos ambientes laborais.

E não, isso não é justo. Não é razoável que apenas nós, mulheres, tenhamos de fazer tantas escolhas, de abrir mão de sonhos e projetos.

Recebi todo o suporte de minha empregadora durante essa nova jornada de minha vida. Não faltou (e nem falta) apoio, compreensão e flexibilidade para que eu consiga ser mãe e profissional, sem que uma coisa precise excluir a outra. Infelizmente, minha história está longe de ser a regra. No Brasil, a realidade é outra, muito mais dura.

Segundo uma pesquisa divulgada em 2023 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), cerca de 50% das mulheres perdem seus empregos após o início da licença-maternidade. Além disso, metade delas se distancia dos seus ambientes de trabalho após a chegada de um bebê. É uma espécie de ‘sumiço’ forçado, como se o mercado dissesse: ‘Agora que você tem um filho, talvez não seja mais tão interessante para nós’.

Enquanto isso, entre os homens, a mesma pesquisa mostra que apenas 15% deixam seus empregos depois de se tornarem pais. O nível de instrução também não faz diferença – mulheres com alta qualificação enfrentam as mesmas dificuldades.

A desigualdade vai além. Se fizermos um recorte por raça, as mulheres negras enfrentam desafios ainda maiores, confirmando as estatísticas mais gerais. Além das dificuldades da maternidade, elas enfrentam o racismo diário, que intensifica os obstáculos.

Um estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, revelou que, em 2022, 6,8 milhões de mulheres negras ficaram fora do mercado de trabalho para cuidar dos filhos e da casa, mesmo querendo estar profissionalmente ativas. Para elas, a pressão é ainda maior – mais portas fechadas, menos oportunidades e a constante exigência de serem impecáveis em tudo. Entre as mulheres brancas, o número foi de 4,3 milhões.

O mais frustrante é perceber como essa cobrança de escolher entre carreira e maternidade não recai da mesma forma sobre os homens. Não se espera que eles abram mão de nada, e a maioria sequer cogita essa possibilidade.

Enquanto nós, mulheres, vivemos a necessidade constante de provar que ainda somos tão capazes quanto antes – como se a chegada de um filho apagasse nossas habilidades –, uma pesquisa da Universidade de Chicago revela algo curioso: para os homens, a paternidade parece ser um bônus. De repente, eles são vistos como mais competentes, mais dedicados, e por isso, acabam sendo mais indicados para promoções e novas oportunidades. É quase como se a paternidade fosse um selo de eficiência profissional.

Ser mãe e trabalhar deveria ser entendido como natural, assim como ser pai e trabalhar é visto desse modo. A sociedade precisa mudar sua visão. E é fato que o exemplo promove mudanças.

As empresas precisam entender (e defender) que responsabilidades parentais devem ser divididas e respeitadas. O que para os homens é privilégio, para nós é justiça, é busca por equidade. Organizações que acolhem e dão espaço para mães crescerem estão construindo um futuro mais igualitário e justo para todos.

No fim, o que fica é a certeza de que precisamos repensar nossas escolhas. Não as que fazemos como mães, mas as que a sociedade nos impõe. Quem sabe um dia, em vez de perguntar se vamos escolher entre fraldas e relatórios, o mercado de trabalho simplesmente aceite que somos capazes de lidar com ambos – sem precisar abdicar de nenhum deles.

Por: Priscilla Scrivano