Estamos prestes a voltar às urnas, e entre tantos temas a serem discutidos existe um fundamental: o próprio processo eleitoral. E, sobre isso, é curioso pensar num marco que está completando dez anos: em 2014, a Cambridge Analytica começava sua atuação e abria um caminho sem volta no que se entende como campanha política.
Para refrescar a memória, a empresa se utilizava de dados coletados ilegalmente pelo Facebook com a intenção de manipular eleições. Dividindo usuários em alguns arquétipos – de acordo com as preferências compartilhadas por eles nas redes –, a Cambridge Analytica direcionou conteúdos e propagandas elaborados especificamente para cada perfil, com o objetivo de influenciar o voto em prol de quem os contratasse. Poucos anos depois, descobriu-se que, no Reino Unido, a empresa havia atuado na campanha pelo Brexit, e nos EUA trabalhou a favor de Donald Trump em sua primeira disputa presidencial.
Apesar do escândalo, não há o que ser feito. Hoje, os dados são preciosidades em campanhas políticas. E a partir deles, os algoritmos entram em ação, criando as famosas ‘bolhas’ compostas por pessoas que pensam parecido e que se nutrem de notícias e conteúdos, alguns deles falsos ou enviesados, que sempre corroboram com o que elas acreditam. Dentro das bolhas não há espaço para o divergente; portanto, não há o debate de ideias, tão importante em um contexto de escolha de governantes.
Os dados também ajudam no desenvolvimento de um novo agente que passa a ter real poder de influência na esfera pública que é, ou ao menos deveria ser, a internet: os robôs. Produzindo uma falsa impressão de apoio massivo a determinados candidatos, os robôs ajudam a criar um clima de disputa polarizada, disseminam teorias da conspiração e notícias falsas, entre outras atividades antiéticas.
Porém, talvez a grande mudança promovida pela Cambridge Analytica não esteja exatamente relacionada ao uso de dados para campanhas, pois a publicidade já fazia uso deles, ainda que de outras maneiras e em volume muito menor. O ponto de virada está no impacto de agentes não-humanos, como chama a atenção o professor e pesquisador Eduardo Magrani em ‘Entre Dados e Robôs: Ética e Privacidade na Era da Hiperconectividade’.
Mas, aterrissando no Brasil de 2024, sobram mais perguntas que respostas. Parece ser impossível ser competitivo numa eleição se não houver domínio dessas tecnologias cada vez mais sofisticadas, mas como usá-las de forma ética? Qual será o papel do fator humano e do fator não-humano nessas eleições municipais? Um belo discurso ou o velho ‘corpo a corpo’ ainda exercem influência? E, por fim: em tempos de algoritmos, ainda há espaço para debatermos?