Por Kelly Lima, da equipe Alter
Em um trecho de sua participação no programa Roda Viva desta semana, a escritora e feminista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie resumiu em poucas palavras o atraso civilizatório brasileiro sobre diversidade, inclusão e combate ao racismo. O depoimento traz ainda uma lição básica para empresas que buscam inserir em seus processos de tomada de decisão os padrões ESG, cuja sigla em inglês resume os critérios ambientais, sociais e de governança
“Se você tem um país, com uma enorme população negra, e essa população não está representada sob nenhuma forma, especialmente quanto mais alto (padrão) você vai, isso é um problema. É um problema porque diz muito sobre essa sociedade. A capacidade não reconhece raças. Pessoas negras, brancas, asiáticas. Todo tipo de pessoas é provável que sejam inteligentes. Faz sentido? Então, se você tem um grupo de pessoas que não tem a mesma oportunidade que outros, isso não é culpa dos integrantes desse grupo. É culpa da sociedade que os excluiu.”
Aplicadas no meio corporativo, as palavras de Chimamanda deixam claro que a atenção com a representação demográfica proporcionada pela diversidade é importante, mas promover a inclusão de todos nos mesmos processos de ascensão profissional dentro da empresa é fundamental.
Racismo e violência
Uma das observações mais contundentes da escritora lança luz sobre a relação inversamente proporcional entre representatividade racial e as estatísticas da violência no Brasil. Em visita ao país para participar de um festival literário, Chimamanda reparou na ausência de negros no seu entorno, tanto no festival quanto nos restaurantes outros lugares que frequentou. Ao perguntar sobre essa ausência, percebia o desconforto dos brasileiros, que insistiam em reforçar a miscigenação existente no País.
Ao mesmo tempo, somos um país que mata cada vez mais negros, segundo o Atlas da Violência 2020: homicídios de pessoas negras cresceram 11,5% entre 2008 e 2018, enquanto brancos, amarelos e indígenas caíram 13%. São 49 mil negros e negras mortos violentamente todos os anos, metade pelas mãos de policiais e jovens em sua maioria.
Jovens como Kathlen Romeu, de 24 anos, que estava grávida e foi encontrada pela bala do fuzil de um policial militar na semana passada no Rio de Janeiro. É a 15ª mulher grávida baleada no Rio este ano, a oitava vítima fatal. Flávia Oliveira, que não se conteve ao comentar o assunto, e chorou ao vivo, dilacerando quem assistia ao programa estúdio I, da Globo News, trouxe doses de esperança ao falar como a luta sobrevive no luto.
A invisibilidade do negro citada por Chimamanda é a mesma que fez com que outro jovem fosse interpelado no Leblon, zona Sul carioca, acusado de ser o autor do roubo de uma bicicleta elétrica, ocorrido poucas horas antes no local. Afinal, o que um negro estaria fazendo num bairro de alto padrão, em que a cor branca é predominante?
Clélia Prestes, doutora em psicologia social pela USP e integrante do Instituto Amma Psique e Negritude, afirma ao podcast O Assunto, de Renata Lo Prete, que “o racismo no Brasil é uma doença autoimune.”
ESG no combate ao racismo
Criado a partir da pressão de investidores e de instituições financeiras, o acrônimo ESG tem muito a acrescentar a políticas mais inclusivas e de combate ao racismo nas empresas. O conceito surgiu em 2004, em uma publicação da ONU para o mercado financeiro, já derivado do termo criado por John Elkington na década de 1990, o triple botton line. Na ocasião, o objetivo foi fazer uma alusão direta à recomendação de inserir abaixo da última linha do balanço financeiro mais duas linhas contabilizando, além do lucro, impactos positivos e negativos dos negócios no planeta e na sociedade.
Mais do que uma questão de valores, as diretrizes ESG voltadas para ações em torno da diversidade e da inclusão nas empresas também dizem respeito a resultados financeiros. De acordo com pesquisa da consultoria McKinsey, a diversidade de gênero e étnica pode ampliar lucros em até 35% nas empresas. O número demonstra que ouvir novas opiniões, sob diferentes pontos de vista, garante que as empresas possam avaliar melhor seus riscos. Também permite inovações em frentes que uma equipe homogênea talvez não alcance, além do avanço alguns passos adiante em direção à empatia do consumidor final em prol da sua marca.
“A diversidade é lucrativa, por isso temos que pensar nela em todos os estágios de gestão, até o topo das companhias”, afirma Selma Moreira, diretora do Fundo Baobá para Equidade Racial.
Diversidade e inclusão na governança
Essa lógica, que deve estar no centro do G, do ESG, na governança das empresas, não é nova e nem inovadora. Ao longo de toda a história, os maiores pensadores, filósofos, teólogos, cientistas e economistas debateram e beberam na fonte de outros para aprimorar seu pensamento. Isso não deveria ser diferente para empresas que querem aprimorar seus negócios. Isso não deveria ser diferente para a governos que querem governar para todos.
No meio empresarial, 45 empresas dos mais diferentes setores lançaram a iniciativa Mover (Movimento pela Equidade Racial), que prevê gerar 10 mil novas posições de liderança para pessoas negras e gerar oportunidades, envolvendo mudanças em processos, estruturas e cultura, investimentos em capacitação, treinamento, geração de empregos e metas progressivas até 2030.
A iniciativa é excelente se quisermos começar a combater o problema, mas precisa ser mais ambiciosa e buscar maior engajamento. Não há negros e negras entre os/as CEOs das empresas que compõem o grupo. E, ao longo desta década teremos uma soma de 490 mil negros e negras mortos violentamente, considerando os números atuais, se nada for feito agora, e se não aumentarem os casos, como vem acontecendo a cada ano nas últimas décadas.
Quando se trata de um tema como esse, a medida de tempo a ser considerada não deveria ser de anos. Anos imobilizam. E qualquer minuto é essencial.