Na foto, Rosely Roth em ato de ocupação do Ferro’s Bar. Crédito: Ovídio Vieira/Folhapress
Por Lia Ribeiro, da Equipe Alter
No dia 19 de agosto, celebramos o Dia Nacional do Orgulho Lésbico. Para entender como e porque a data foi criada, é necessário que conheçamos a história do Ferro’s Bar e toda a resistência por trás dele.
O bar, localizado em São Paulo, era frequentado pela comunidade LGBTQIA+ que se reunia como forma de socializar e ser resistência em plena ditadura militar. Uma das atividades realizadas por mulheres lésbicas no local era a venda do zine Chanacomchana, criado pelas ativistas Rosely Roth e Miriam Martinho. Ao descobrir que o material estava circulando por ali, o dono do bar decidiu proibir a presença de lésbicas no Ferro’s, expulsando-as à força do local.
Como repúdio à expulsão, no dia 19 de agosto de 1983, Rosely e Miriam convocaram um ato para a ocupação do bar, que reuniu ativistas feministas e a comunidade LGBTQIA+, além da imprensa, que cobriu positivamente a manifestação. Por conta disso, após o dono do bar se redimir, o direito de mulheres lésbicas permanecerem no local foi mantido. Uma grande conquista para o movimento que, mesmo diante da comunidade homossexual, sofria um apagamento significativo – como ainda sofre. O episódio ficou conhecido como o Stonewall brasileiro, fazendo referência à revolta ocorrida em Nova Iorque em 1969.
Em 2003, após a morte de Rosely Roth, o dia 19 de agosto foi instituído como o dia em que gritamos aos quatro cantos do mundo que ser lésbica é ter orgulho. Mas, ter orgulho do que? O termo ainda é visto como desnecessário por grande parte da sociedade que repete a frase “eu até aceito, mas pra que ter orgulho?”. Neste texto, vou tentar explicar brevemente por que esse sentimento de prazer e satisfação de ser quem se é ainda é extremamente necessário.
Estatísticas do lesbocídio
De acordo com o Dossiê sobre lesbocídio no Brasil, lançado em 2018, o número de assassinatos de mulheres lésbicas se mantém crescente desde que começou a ser documentado em 1983. Entre os anos 2000 e 2017, houve um aumento de 2.700% no número de casos. Em 2017, 54 mulheres foram mortas apenas por amar outra mulher. A verdade que os documentos pouco mostram é que esse número, provavelmente, é ainda maior. É de se chocar ainda mais quando notamos que grande parte desses assassinatos tem cunho de violência sexual e são praticados por pessoas próximas às vítimas.
Reflexo de uma sociedade que ainda tem uma concepção do corpo feminino como algo restrito aos padrões de gênero e performance estipulados por homens. Quanto mais nos afastamos desses padrões, mais estamos sujeitas a sofrer repreensões e violência como forma de “correção”. Quando pensamos nos interseccionismos, isso se agrava ainda mais. Ainda de acordo com o dossiê, mulheres lésbicas que não performam feminilidade são as maiores vítimas. O apagamento das mulheres lésbicas transexuais também é de se chamar atenção, uma vez que não aparecem como critério para o levantamento de dados do documento.
A hiperssexualização de nossos corpos, o não cumprimento de regras estipuladas por uma sociedade extremamente machista, a anulação do desejo afetivo e social das mulheres, a misoginia, entre tantos outros padrões que quebramos diariamente, nos colocam em uma posição onde ter orgulho é gritar por sobrevivência. É demonstrar que nós podemos existir e ser feliz exatamente do jeito que somos, que isso não fere a liberdade de ninguém mas faz parte de uma longa caminhada para que consigamos atingir a nossa. Ter orgulho é fazer a revolução por uma sociedade mais justa. Amar outra mulher é um ato revolucionário.