Havia tanques de guerra nas ruas — essa é a primeira memória que eu tenho de uma conferência internacional pelo clima. A Cúpula da Terra, também conhecida como Rio 92 ou Eco 92, levou militares às ruas do Rio de Janeiro em 1992, apenas dois meses depois de eu ter mudado para a cidade.
Ainda criança, eu observava incrédula às medidas que me pareciam um tanto extremas, com armas apontadas para as comunidades. Mas ficou o impacto. Se, de alguma forma, era justificável ter o Exército tomando a cidade para garantir a segurança daqueles que vinham discutir o futuro do planeta, o assunto deveria ser importante. E uma semente foi plantada no meu inconsciente.
Corta a cena. Vinte anos depois, a cúpula voltava à cidade. Eu não era mais uma criança. Havia virado jornalista, com o ideal de ajudar a escrever a história, dar voz aos menos favorecidos, e ter um impacto positivo na vida das pessoas, sempre com preocupação social, ambiental e política. Mal sabia que aquilo que me levara a ser jornalista tinha nome: ESG.
Cobri de perto a Rio+20. Então trabalhando para um jornal econômico, lembro do foco crescente que se dava às finanças, participação do setor privado e um mercado de carbono idealizado.
O discurso me encantava, mas eu ainda não entendia completamente a dificuldade de implementação de acordos multilaterais internacionais. Ainda assim, a emoção de assistir ao centro de conferências lotado batendo palmas na divulgação do documento final me arrepiou, e regou a semente que havia dentro de mim.
A planta idealista foi crescendo. Meses depois, me mudei para Nova York. Estudei relações internacionais, com foco em política energética e ambiental. Fui à Tanzânia ver o impacto que o foco no meio ambiente poderia ter em projetos sociais. Viajei à China para pesquisar geopolítica no mundo da energia. Circulei pela América Latina para compreender o impacto de financiamento internacional em projetos de infraestrutura.
Rodei o mundo e cheguei aqui. Cheguei a essa parceria especial com a Estratégia ESG e a EPBR, publicações que resolveram apostar em uma cobertura da conferência do clima quase dez anos depois daquelas palmas que tomaram o Rio Centro. Quase 30 anos depois daquela chegada ao Rio de Janeiro tomado pelo exército.
Apostamos juntos em um trabalho em equipe moderno, à distância. Eu de Nova York a Glasgow, o restante do time no Brasil.
Desenvolvemos um trabalho que, como eu sonhara um dia, buscava dar voz aos menos favorecidos; ambicionava explicar os quadros políticos nacional e internacional; e queria, ao educar e divulgar e analisar, ter um impacto positivo sobre o clima.
E foi isso o que fizemos na COP26. Cumprindo os diversos papéis do jornalista, cobrimos detalhes das negociações políticas, mas também olhamos para o todo do movimento ambiental, que não se limita às salas de negociação. As empresas privadas têm suas próprias discussões de admissão de responsabilidade. O setor financeiro tenta se adaptar.
Mas os povos indígenas e a sociedade civil em geral foram as grandes estrelas. Descrentes, cansaram há muito de esperar que alguém resolva o problema por eles. Tomaram as ruas, as redes sociais, os corredores da COP e, ainda assim, ficaram de fora das salas de negociação.
Diante de todo esse conflito, foi excitante assistir a mais de 100 mil pessoas tomarem as ruas de uma cidade onde vivem cerca de 600 mil.
Foi emocionante ouvir histórias de pessoas que caminharam, pedalaram, ou velejaram por semanas para levar esperança às ruas de Glasgow. Ouvir histórias de jovens que aprenderam cedo que seu futuro está em risco. Ouvir histórias de representantes de povos originários contando sua luta diária pela preservação da floresta e a violência que enfrentam.
A COP26 pode não ter tido ainda o resultado que o mundo precisa. Mas certamente regou milhares de sementes e plantas já crescidas que, com um pouco mais de esforço de líderes mundiais no curto prazo, poderão crescer, fincar raízes, formas florestas e absorver o carbono que precisamos para que nossas crianças não precisem temer por seu futuro.
As últimas duas semanas em Glasgow permitiram que essas crianças possam sonhar, de um jeito ou de outro.