Pensar a sociedade contemporânea sem meios de comunicação de massa é um exercício difícil de ser feito, principalmente se não houver liberdade de imprensa. Ao longo dos anos, a mídia foi tomando forma, sendo moldada pelas novas tecnologias de comunicação e informação e adaptada às necessidades das instituições e dos indivíduos, mas o trabalho do jornalismo profissional continua imprescindível.
Tendo como função principal disseminar informações de interesse público, não há como pensarmos no pleno funcionamento dessas ferramentas anulando o caráter amplo e democrático que os meios de comunicação precisam espelhar.
Sabendo que a informação assume um papel estratégico na disputa de poder, ainda mais em uma sociedade extremamente midiatizada, obter o direito de comunicar não é simples, principalmente quando os canais de comunicação não estão de acordo com o sistema político hegemônico. Isso pode acarretar a censura desses meios, refletindo medidas inconstitucionais em diversos países, incluindo no Brasil. Sendo assim, assegurar o direito à liberdade de imprensa é fundamental para garantir o fluxo de informações que visam noticiar, denunciar e promover tudo aquilo que é de interesse público.
É válido lembrar que a liberdade de imprensa é tida como direito fundamental garantido pelo artigo 1º da Lei 2.083/1953 e está diretamente relacionada à liberdade de expressão, outro direito fundamental assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Em ambos os casos, o Estado deve certificar que todos os cidadãos possam manifestar e acessar opiniões sem que o governo interfira nessa ação. Enquanto a liberdade de expressão, que também está presente no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assume um caráter mais particular, por mais que essas opiniões possam ser publicizadas por qualquer meio de comunicação, a liberdade de imprensa tem característica intrinsecamente institucional, com destaque para a livre circulação de notícias, livros, jornais e outros periódicos.
Muitas vezes, temos acesso a discursos que utilizam o direito à liberdade de expressão como justificativa para a disseminação de comentários de ódio ou maliciosos. No âmbito institucional isso também pode ocorrer. É importante ressaltar que essas questões constam como abusos em nossa Constituição. Na lei que garante a liberdade de imprensa, por exemplo, ações como propaganda de guerra, publicação de notícias falsas, incitação a crimes, calúnia, difamação, injúria e outros pontos são passíveis de punição e podem, inclusive, ser considerados crime.
Imprensa e democracia
Em um momento em que a democracia vem sendo colocada em xeque em diversos países, o livre exercício do trabalho da imprensa nunca foi tão necessário. Ao mesmo tempo, nunca sofreu tantas represálias. Segundo dados do último Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, elaborado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a polarização política e comunicacional é uma característica que influencia as tensões em todo o ambiente internacional.
Como casos que colaboraram para essa conclusão, o relatório destaca a guerra entre Rússia e Ucrânia, que provocou um contexto de disputa também na mídia, por meio de propagandas pró e contra os países. Outra situação em destaque é a dos regimes democráticos, em que a polarização de correntes políticas é refletida diretamente na composição da sociedade. Para a RSF, o ressurgimento das tensões sociais e políticas é acelerado pelas redes sociais e pelos novos veículos de comunicação de opinião. A possibilidade da criação e circulação da mídia independente, principalmente no meio digital, faz com que indivíduos comuns possam emitir opiniões, ganhar visibilidade e influenciar decisões, o que nem sempre agrada a quem está no poder.
Outra questão que nos chama atenção é que nunca antes, desde que o relatório foi criado há 20 anos, um número tão grande de países esteve em uma “situação muito grave”. São 28 países nessa posição, enquanto na outra ponta, em uma “situação boa”, estão apenas 8 países, conforme mostra a imagem abaixo.
Liberdade de imprensa no Brasil
Quando pensamos no contexto brasileiro, um número preocupante nos salta aos olhos. Em 2021, foram registrados 430 ocorrências relativas a atentados contra a imprensa, que incluem agressões físicas ou verbais, ataques virtuais, impedimentos ao exercício profissional e até mesmo assassinatos. Os números são do Relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, realizado com base no ano de 2021 e publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Outros dados trazidos pela pesquisa mostram que mais da metade desses atos ocorreram no Distrito Federal, representando um total de 53,54% dos casos.
O Brasil está entre os 10 países que mais agridem e matam comunicadores no mundo, e esses atos são reforçados pelo próprio presidente do país. Ainda segundo o relatório da FENAJ, desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência em 2019, ele se tornou o principal autor de ataques a veículos de comunicação e jornalistas. Só no ano passado, ele foi o responsável direto por 147 ocorrências, sendo 18 delas relacionadas a agressões diretas aos profissionais. Como representante público, o presidente carrega consigo ainda um número significativo de apoiadores que estão de acordo com os seus atos e colaboram para aumentar a hostilidade na sociedade e a desconfiança em relação à imprensa.
Nesse sentido, vale lembrar ainda que, além de se manifestar de forma direta contra veículos de comunicação e profissionais, o governo federal vem utilizando nos últimos anos ferramentas institucionais para criar obstáculos à atuação da mídia. Um dos exemplos é o uso da Lei de Acesso à Informação, que vem sendo aplicada justamente para embasar decisões do governo federal para impedir o acesso da opinião pública sobre dados relevantes relacionados a diversos temas. Em relatório elaborado pelo Transparência Brasil, mais de 942 mil demandas de acesso à informação foram analisadas e se constatou o segundo maior índice de negativas a pedidos de informação desde maio de 2012, quando a lei entrou em vigor.
Dia Mundial da Liberdade de Imprensa
Nesta semana, no dia 3 de maio, foi celebrado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data, proclamada pela ONU em 1993 em celebração ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, serve como mais uma oportunidade de alertarmos que a luta contra a censura é uma construção diária. De lembrarmos que, a todo instante, jornalistas e canais de comunicação são alvos de perseguições por não estarem de acordo com o sistema político hegemônico, mesmo em um contexto democrático.
Nos casos diários de violência contra profissionais da comunicação, encontramos resquícios de um sistema ditatorial, que permeia o cotidiano daqueles que utilizam a mídia como resistência. Por mais simbólicas que sejam as comemoração de dias como este, acreditamos que não há o que ser celebrado. Há ainda muito a ser construído.