26 de outubro de 2023 | Estratégia ESG, , ,

Brasil, qual é a tua cara?

Por Kelly Lima

Brasil o Protagonista inegável

Protagonista inegável do biênio 24-25, líder do G20 e do Mercosul, assumindo a presidência do Brics, e futura sede da COP30 em 2025, o Brasil terá como ponto central a questão climática a ser discutida. Em artigo no Valor, Joaquim Levy ressalta que este tema vai pautar as discussões entre as nações mais poderosas, ainda mais em um momento em que os fluxos de capitais nem bem se recuperaram da Covid-19 e já enfrentam novos períodos de guerra. Para mitigar seus riscos, argumenta o ex-ministro da Fazenda, os investimentos privados tendem a aportar seus recursos onde há custo e risco menores. A nova economia de baixo carbono, na qual a produção sustentável é economicamente vantajosa, deve oferecer vantagens evidentes.

Assim, é crucial ao Brasil ter um posicionamento mais assertivo à frente do G20, passando das palavras às ações. Isso significa enfrentar decisões difíceis especialmente em dois temas: energia e agricultura.

A questão dos combustíveis fósseis é complexa, pois envolve interesses arraigados e subsídios que vão de encontro à necessidade premente de reduzir as emissões. Embora a transição seja gradual, é inegável que o mundo está se afastando dos combustíveis fósseis. Relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) publicado esta semana reduziu expectativas do consumo mundial de combustíveis fósseis nos próximos anos, com aumento da participação das energias renováveis no mix global de eletricidade se aproximando de 50%, em comparação com cerca de 30% hoje. Neste cenário, a participação de carvão, petróleo e gás natural no fornecimento global de energia — que ficou em torno de 80% por décadas — começa a diminuir e atinge 73% até 2030. Mas como explicar isso para governadores que miram em royalties, petroleiros que temem o desemprego e toda uma cadeia de olho nas oportunidades ainda existentes no pré-sal ou na margem equatorial?

Na agricultura, outro caminho tortuoso. A produção de alimentos no Brasil foi responsável por 75% das emissões brutas no país, segundo estudo do Observatório do Clima, também lançado nesta semana. Segundo a FAO, no mundo as emissões dos sistemas alimentares aumentaram 16% entre 1990 e 2019, chegando a 37% do total hoje em dia. No Brasil, dentro dos sistemas alimentares, pelo menos 56% das emissões são provenientes do desmatamento. Com um PIB carregado nas costas pelo setor agrícola e uma boa parte da população que passa fome, como explicar a necessidade de virar também essa chave?

Numa interessante reflexão, artigo assinado pela ex-ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, em parceria com Ana Yang e Roberto Waack, avalia a constante cobrança do mercado financeiro sobre a tangibilidade dos impactos do clima, numa “necessária” correlação entre finanças e clima. Discute-se a urgência de “valorar” os bens tangíveis da natureza para que a Faria Lima, tal qual Wall Street, conceituem seus parâmetros, balizem métricas e possam enfim “valorizar” a natureza. Ora, trancados em seus escritórios envidraçados, no ar-condicionado congelante e diante de multitelas, dificilmente esses executivos, ou os políticos de ocasião, ou ainda empresários terão a mesma clareza sobre esta “tangibilidade” do que um indígena, ou qualquer outro representante de um povo originário, que vive na terra e dela extrai seu sustento e sua condição de estar vivo.

“A natureza é um bem único. Contemporaneamente, um bem único não fungível. Não pode ser tratado como uma commodity. Deve ir além do fetiche da moda, o carbono (sim, importante, mas não suficiente). Não se fraciona, não se soma, mas precisa percorrer, urgentemente a trilha da visibilidade econômico-financeira”, ressalta o artigo.

Para ter essa clareza, exemplos práticos e concretos talvez possam dar a dimensão do problema para quem não vive na terra. Um bom exemplo foi matéria produzida e exibida num programa dominical de alta repercussão junto a grandes massas. O Domingão do Huck do último domingo levou um ex madeireiro da região do Tumbira, área de conservação apoiada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), à beira do Rio Negro, no Amazonas, para testemunhar o derretimento das geleiras patagônicas. A conexão direta entre desmatamento e mudanças climáticas tornou-se óbvia. Essa narrativa visual e impactante demonstrou, de maneira inequívoca, a relação causa-efeito que muitas vezes é difícil de compreender no mundo corporativo e político.

Usando uma expressão do “século passado”, o nexo causal é o que falta para “cair a ficha”.

Por: Kelly Lima