Não é fácil se engajar de fato à agenda ESG. As marcas fortalecem – e correm riscos também – a reputação quando defendem princípios socioambientais e de governança e falam abertamente sobre a importância de agir para frear o avanço das mudanças climáticas. O discurso virou senso comum no mundo corporativo, que já aderiu às diretrizes de relato sobre riscos e impactos.
Afinal, informar e dar transparência não deveria ser tão complicado assim. O estudo ‘A Fraude da Reciclagem de Plástico’, da ONG Center for Climate Integrity (CCI), mostrou que a indústria do plástico escondeu informações sobre a real viabilidade da reciclagem como solução para resíduos plásticos descartados todos os anos, como revelou matéria da Folha.
Falar é mais fácil que fazer, já dizia minha avó. O problema maior, my friend, é entregar tudo aquilo com que se compromete. Como disse o repórter David Gelles, em artigo no New York Times, ‘embora muitas empresas afirmem que estão empenhadas no combate às mudanças climáticas, o diabo mora nos detalhes’.
Recentemente, o movimento anti-ESG ganhou uma certa tração nos EUA, sem grandes reflexos no Brasil e na Europa. Ainda bem! Como mostra o artigo de Gelles, isso aconteceu por lá em função da saída de gigantes do mercado financeiro – JP Morgan Asset Management (JPMAM), State Street Global Advisors (SSGA) e PIMCO – da Climate Action 100+ (CA100), uma iniciativa global criada em 2017 que reúne mais de 700 investidores e se dedica a pressionar grandes empresas a fazer esforços climáticos. Além disso, a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, reduziu a sua participação no CA100, transferindo-a para o seu braço internacional, em um sinal de que reconhece que o mercado europeu é diferente do americano.
No entendimento desses investidores, o anúncio do CA100, feito no ano passado, de mudar o foco sobre as empresas – em vez de exigir a divulgação de informações sobre emissões e riscos relacionados ao clima, a cobrança é pela definição de metas e prazos para redução de suas emissões – poderia expô-los, principalmente, a riscos jurídicos. Além disso, há um componente de maniqueísmo político nos EUA, que divide republicanos e democratas, similar ao que acontece em outras partes do mundo, inclusive por aqui.
De forma mais específica na questão jurídica, o receio é que, ao agir em conjunto para moldar o comportamento de outras empresas – grandes clientes e emissores de CO₂ –, isso poderia caracterizar conflito com regulamentações antitruste. Esse argumento mais parece uma cortina de fumaça para esconder a verdadeira razão: o temor de perder clientes grandes, como as empresas do setor de petróleo, gás natural e carvão.
Afinal, considerando que essas empresas já relatam quais são seus riscos e impactos, nada mais natural que se comprometam agora com ações que mitiguem esses riscos e impactos. Em recente artigo publicado na Época Negócios, Heiko Hosomi Spitzeck, diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral, lançou uma lente menos fatalista sobre esse episódio: ‘(…) o ESG vai mudar. O foco nos próximos anos será em ações de ESG que consigam trazer um retorno no curto prazo’, disse.
Sonia Consiglio, uma referência na agenda da sustentabilidade no Brasil e conselheira de empresas, também fala em mudanças no ESG em seu artigo no LinkedIn. Nesse contexto, ela lembra que, quando a sigla ESG foi criada, ‘já havia a intenção de se aproximar do setor financeiro. O ESG começou a ser amplamente utilizado principalmente por investidores internacionais, que questionaram as suas preocupações sobre os ‘fatores ESG’ na estratégia e gestão.’
Curioso observar que o movimento anti-ESG nos EUA ganhe algum corpo justamente no setor financeiro. Que bom que por aqui mantemos distância segura desse movimento, assim como a Europa e a China. Ao contrário disso, a semana trouxe pelo menos duas notícias que desenham um cenário promissor para a agenda ESG: Títulos ESG devem atingir US$ 1 trilhão em emissões em 2024, ante US$ 980 bilhões no ano passado, em matéria do Capital Aberto; e o artigo de Valter Pieracciani, especialista em inovação, mostrando os caminhos para o Brasil ser um campeão mundial de inovações ESG, no Valor.