‘Agradeço por me verem’. Foi assim que Da’Vine Joy Randolph, mulher negra, que interpretou a cozinheira Mary Lamb no filme ‘Os Rejeitados’, encerrou o seu discurso de agradecimento ao receber a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar 2024, no último domingo (10/3). Na ocasião, a atriz ainda relembrou um episódio no qual Ron Van Loo precisou lembrá-la de que ela era suficiente para exercer a profissão, ainda na época das aulas de teatro.
Mais perto da gente, recentemente tivemos a consagração da escritora Conceição Evaristo, a primeira mulher negra a se tornar imortal na Academia Mineira de Letras. Diferentemente do tom utilizado pela americana, Conceição trouxe em sua fala, durante a posse, a consciência de que o reconhecimento traz em si o peso de uma dívida histórica, fruto de um racismo estrutural incutido, também, na literatura brasileira. “Eu fiquei feliz, mas com a sensação de que a Academia estava cumprindo um papel, inclusive, de justiça”, disse.
Essas são apenas duas, dentre tantas outras situações, que revelam os impactos da insegurança e da falta de oportunidade e de reconhecimento na vida profissional das mulheres negras. Basta fazermos uma reflexão: o quão doloroso deve ser para uma pessoa não se sentir boa o suficiente a ponto de pensar em desistir de um sonho? Foi assim que Da’Vine Joy se sentiu naquele dia. Mas, ao seu lado, havia uma pessoa que a enxergava para além dos seus medos. E, no final das contas, às vezes precisamos apenas de alguém que nos mostre que, sim, somos suficientes para lutar pelo que pode ser nosso.
Mas essa luta é travada em uma via de mão dupla. Ainda que a gente tenha a segurança de correr atrás e buscar os nossos sonhos e espaços, de nada adianta todo o esforço se o resultado for uma porta batida na cara. Segundo o levantamento ‘Mulheres no mercado de trabalho: desafios e desigualdades constantes’, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que acompanha a inserção das mulheres no mercado de trabalho entre o 4º trimestre de 2022 e igual período do ano passado, no 4º trimestre de 2023 as mulheres representavam a maioria dos desocupados, e 35,5% delas eram negras. Se não temos oportunidades, como conquistaremos reconhecimento?
É público e notório o empenho de muitos setores do mercado em garantir a equidade racial em seus espaços. Mas ainda está bem longe de ser minimamente suficiente. Isso, sim, precisa ser além do que ainda é visto como suficiente.
Porque nós, mulheres negras, queremos chegar ao topo. E, para isso, precisamos ser vistas. Precisamos de saúde física e mental para termos segurança, e coragem, para lutarmos por nossos sonhos e aspirações profissionais. Não basta apenas nos ser permitido existir – o que também ainda está distante de ser uma garantia. Precisamos, enfim, que a justiça seja feita nos âmbitos pessoal e profissional.
Pois, que seja dito: antes mesmo de tomar posse de tantos prêmios importantes, nos apossamos de algo irrefutável para a nossa sobrevivência: somos, cada vez mais, donas da nossa própria consciência e importância, e sabemos aonde podemos – e iremos – chegar.
* Durante todo o mês de março, os editoriais da Estratégia ESG serão escritos exclusivamente por mulheres que compõem a equipe da Alter Conteúdo e convidadas. Mais do que uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, nosso objetivo é trazer reflexões variadas sobre a construção do feminino e suas implicações no dia a dia das mulheres.