16 de julho de 2024 | Estratégia ESG, , , ,

‘Velhos’ não se entregam. Mas quem ‘investe’ neles?

Por Alexandre Gaspari

O magnífico ator Othon Bastos resolveu se desafiar aos 91 anos. Pela primeira vez em seus 70 anos de carreira, faz um monólogo. Dirigida por Flávio Marinho, a peça ‘Eu não me entrego, não!’ estaria em cartaz no Rio de Janeiro até o último fim de semana deste mês, mas a temporada foi estendida até setembro.

Em cerca de 90 minutos, Othon lembra momentos de sua carreira e de sua vida pessoal. Embora seja um monólogo, ele é acompanhado no palco por sua ‘memória’, ‘interpretada’ pela atriz e assistente de direção Juliana Medella. Que, de forma divertida, ‘atualiza’ algumas expressões de ‘outrora’.

Ao final do espetáculo, Juliana faz um apelo ao público: que recomende a peça a outras pessoas. Isso porque, frisa, o espetáculo não tem patrocínio. Apenas alguns apoios. Assim, depende da bilheteria para seguir adiante.

Foi inevitável não lembrar o texto ‘Quem não morre, envelhece!’, de Eduardo Nunes, na Estratégia ESG da última sexta-feira (12/7), justamente no dia em que assisti à peça. E de outros textos que eu mesmo escrevi neste espaço tratando de envelhecimento e oportunidades no mercado de trabalho.

A reivindicação de um lugar para a população mais velha no meio profissional não é nova. Assim, já houve tempo para empresas agirem para incluir essa população em seus quadros. Não apenas para ganhar uma ‘estrelinha’ em relatórios ESG, mas por uma questão de ganho financeiro.

Pesquisas já demonstraram o quanto a diversidade de gente no ambiente de trabalho é positiva financeiramente para os negócios. Além, claro, de se tratar de um gesto de humanidade – embora muitas vezes pareça difícil para o mundo corporativo lembrar que existe um ‘S’, de social, na agenda de sustentabilidade.

No entanto, uma pesquisa realizada ano passado pelas companhias Robert Half e Labora, da área de recrutamento e inovação, mostra que cerca de 70% das 258 empresas que participaram do levantamento contrataram muito pouco ou nenhum profissional com mais de 50 anos. Foram apenas 5% das novas contratações, mostra uma matéria da BBC.

Quando a idade cruza com outras categorias que nas Ciências Sociais chamamos de ‘marcadores sociais da diferença’ ou ‘categorias sociais de diferenciação’, a situação é ainda pior, lembra a BBC. Mulheres, por exemplo, têm mais dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho ao passarem de 50 anos – ou até antes.

Especialistas ouvidos pela BBC destacam que esses efeitos são ainda mais intensos no caso de mulheres pretas, que, além da misoginia, precisam lidar com o racismo. E a baixíssima inclusão se estende à população LGBTQIAPN+.

O Censo 2022 do IBGE mostrou que a população brasileira está envelhecendo. Embora o direito de envelhecer ainda não seja igual para todos, isso é bom, porque mostra uma melhora em indicadores sociais. Mas também gera a necessidade de que essas pessoas participem cada vez mais de todos os espectros da vida social. E o mercado de trabalho é um deles.

Sim, estamos cada vez mais ‘velhos’ e ‘velhas’. Não nos entregamos, assim como Othon Bastos. Mas quem ‘investe’ em nós? Quem de fato está agindo para transformar essa longevidade em dignidade, criando oportunidades?

Sim, houve ganhos. Mas é preciso mais, e mais rapidamente. O tempo é urgente. E não para.

Por: Alexandre Gaspari