14 de agosto de 2024 | Estratégia ESG, ,

Na berlinda entre o ideal e a exceção

Por Kelly Lima

É visível a transformação do mercado global, na qual finanças verdes, sustentabilidade e governança corporativa assumem papéis de destaque no discurso público e nas estratégias empresariais. Iniciativas como a emissão de US$ 225 milhões em títulos voltados ao reflorestamento da Amazônia pelo Banco Mundial e o lançamento do primeiro ‘bond’ privado do BID Invest para financiar a região são passos importantes nessa direção. No entanto, embora demonstrem reconhecimento crescente da importância do ESG, ainda são iniciativas, carecendo de resultados concretos.

A ideia de vincular instrumentos financeiros ao reflorestamento amazônico sugere uma tentativa de internalizar os custos ambientais em uma escala significativa. Mas até o momento, muitos projetos apoiados estão em estágios iniciais, e o impacto real no solo, em termos de reflorestamento efetivo e preservação de biodiversidade, ainda está por ser observado. E talvez a própria Amazônia, se atingir o ponto de não retorno, sufoque as iniciativas antes de seus resultados.

Capital Reset destaca o financiamento de pequenos produtores de cacau em áreas de desmatamento na Amazônia por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) sustentáveis como um modelo inovador de inclusão financeira e conservação ambiental. No entanto, a escala e o alcance de projetos do tipo ainda são limitados, poderão produzir transformações econômicas lentas e recheadas de obstáculos e correm o risco de se tornarem exceções, em vez de catalisadores para uma mudança sistêmica em larga escala.

Outro exemplo é a adoção dos princípios de transição sustentável propostos pelo G20. Embora sejam um avanço em governança, sua adesão é voluntária, o que levanta dúvidas sobre seu impacto real. Muitas empresas podem adotar esses princípios apenas para melhorar sua imagem, sem realmente integrar práticas sustentáveis em suas operações. A falta de mecanismos de monitoramento e fiscalização rigorosos significa que essas iniciativas correm o risco de se tornarem mais um ‘greenwashing’, sem efeitos substanciais no mundo real.

A cautela também deve dar a medida para a resolução da CVM que exige relatórios de sustentabilidade a partir de 2026. A norma representa um progresso importante na transparência e na responsabilização das empresas, mas sua eficácia dependerá de como será implementada e fiscalizada. A experiência mostra que, sem uma fiscalização rigorosa e uma cultura corporativa comprometida, relatórios ESG podem ser apenas mais uma obrigação burocrática, em vez de um verdadeiro reflexo das práticas sustentáveis de uma empresa.

Pareço pessimista, mas acredito que o otimismo em torno dessas iniciativas deve ter a medida exata de um olhar crítico. A transformação ESG, embora promissora, ainda enfrenta desafios significativos e está longe de alcançar o impacto necessário para enfrentar as crises ambientais e sociais que o mundo enfrenta. O discurso sobre sustentabilidade está avançado, mas a execução prática precisa acompanhar esse ritmo.

Para que essa revolução se torne uma realidade, é necessário um compromisso mais firme, resultados mais tangíveis e uma fiscalização mais rigorosa. O mercado, a sociedade e o planeta não podem mais esperar por promessas: precisam de ações efetivas e de mudanças reais.

A verdadeira transformação ESG ocorrerá não quando as empresas simplesmente adotarem a retórica da sustentabilidade, mas quando forem capazes de demonstrar, com clareza e resultados mensuráveis, que suas práticas estão, de fato, contribuindo para um futuro mais sustentável e equitativo. Até lá, o ceticismo é não apenas justificado, mas necessário.

Por: Kelly Lima