O Brasil se despediu no final de semana de um de seus maiores comunicadores de todos os tempos. Reconhecido como o ‘Rei do Domingo’, por cravar, durante décadas, seu programa que atravessava o dia todo – antes dele considerado um ‘traço’ no jargão da TV, em termos de audiência.
Sorriso farto e humor inabalável – presente até quanto tinha perdas financeiras, fracassos, ou todos e quaisquer vexames –, Sílvio Santos, o Señor Abravanel, foi também figura controversa. Riu de todos e de si mesmo. Riu, não. Debochou.
Não cabe aqui entrar nas questões políticas. Nem as que o levaram a bajular a ditadura para conseguir sua TV. Nem as que o levaram ao equívoco de tentar se lançar candidato à presidência, sem sucesso, e estar próximo de todos os governos, de Lula a Bolsonaro (mais do último do que do primeiro), deixando sua TV ser também usada por todos eles.
O lado controverso a que me refiro foi o que acabou fazendo com que ele fosse ‘cancelado’, no jargão do século XXI. Piadas misóginas, machistas, racistas, sexistas e tudo mais que já não cabe neste século.
Uma pesquisa feita pela CNC sobre consumo consciente indica que mais de um terço dos entrevistados disseram considerar as práticas das empresas em relação a funcionários, proteção ao meio ambiente e casos de corrupção nas decisões de compra. A pesquisa, obviamente, trata de comércio, turismo e que tais, e não vai especificamente ouvir o espectador sobre troca de canal. Mas, quanto à perda de audiência do SBT, além das controvérsias de Sílvio Santos, sabe-se que contou a qualidade de seus programas e as constantes mudanças na programação, que levaram o acrônimo a ser chamado de ‘Silvio Brincando de Televisão’.
Contudo, é inegável que o espírito do tempo é implacável com quem não se adapta e insiste em manter as mesmas rotinas, piadas e jargões.
Ainda que tenha trazido certa “diversidade de corpos e comportamentos, como na composição do time de jurados do seu programa ‘Show de Calouros’ realizado por décadas”, como bem lembrou a professora de semiótica Clotilde Perez, isso acabou sendo revisto como uma ação jocosa pelos mais críticos.
O que se viu nas homenagens ao empresário-comunicador-lenda foi mais uma reverência a um passado nostálgico, a uma infância ingênua e a lembranças de risadas sem compromissos de uma classe média privilegiada, e que nunca se sentiu ofendida, pois fazia parte do show e de lá tirava seu quinhão.
Mas, quando acender a luz vermelha, responda objetivamente ‘sim ou não’: hoje em dia você colocaria sua filha, sua mãe, ou a si mesmo expostos à troça, num show para milhares, quiçá milhões, de brasileiros rirem num domingo à tarde, em favor de um milionário ficar ainda mais milionário?
Se sim, vamos sorrir e cantar. Se não, lembre que dessa vida não se leva nada, mas podemos deixar um legado: um planeta mais respeitável e respirável.