A crise habitacional no Brasil tem cor, gênero e números. Muitos números. De um lado, a preocupante estatística do déficit habitacional, que já soma 6,2 milhões de domicílios no país, e a inadequação habitacional, com 26,5 milhões de domicílios sem infraestrutura; do outro, um número igualmente alarmante, publicado no último Censo 2022, que aponta que a cada 100 domicílios particulares no Brasil, 13 estão vagos. O que equivale a 11,4 milhões de casas e apartamentos vazios, ou seja, quase o dobro do número do déficit habitacional. Um país com tanta casa vazia, e com tanta gente sem casa – um jargão, infelizmente, já batido entre os coletivos, movimentos e organizações que lutam por moradia no país.
E a crise não para aí. Um levantamento inédito, recém-lançado pela Campanha Despejo Zero, revelou outro fato grave no cenário habitacional: o número de pessoas afetadas por despejos ou remoções forçadas aumentou 70%, de outubro de 2022 a julho de 2024. Há, hoje, mais de 1,5 milhão de pessoas vítimas de despejos ou remoções forçadas no Brasil. A pesquisa, no entanto, não considera a população em situação de rua e as pessoas ameaçadas por desastres socioambientais, o que torna esses indicadores subestimados, avalia a Despejo Zero. Em suma: o que já está ruim pode ficar ainda pior.
Das 1.564.556 pessoas atingidas por despejos ou remoções forçadas, mais de 900 mil são mulheres. Um recorte que, infelizmente, tornou-se frequente, e cada vez maior, quando o assunto é a crise habitacional brasileira. A questão racial também tem – ou melhor, não tem – endereço nessa pesquisa: há mais de 1 milhão de pessoas negras atingidas por ameaças de despejos ou por remoções forçadas propriamente ditas.
São tantos números, tantas camadas sociais e de poder envolvidas. E o principal: tanto sofrimento que poderia ser evitado.
Tudo isso comprova o que muitos já sabem: o direito à moradia está longe de ser garantido para todos os brasileiros. E é a necessidade de morar que faz com que essas pessoas, que vivem sob ameaças de forças policiais e de um Poder Judiciário muitas vezes despreparados e desumanizados, busquem lugares para morar que estão longe de ser uma moradia digna, saudável e segura – uma casa, como todos deveriam ter.
O que não pode mais haver é a conivência com declarações que ainda tentam insinuar que essas pessoas lá estão ‘porque querem’, ou ‘por comodismo’. Ninguém quer morar em barreiras prestes a deslizar, ou em ocupações sem acesso a água potável, e muito menos a um saneamento básico adequado. O que essas pessoas querem é o cumprimento dos seus direitos e uma política pública habitacional que as coloquem no centro do debate.