O Agosto Dourado está chegando ao fim, e com ele se vai o assunto “amamentação”. Até agosto que vem, pouco ou nada será falado sobre o tão reduzido espaço reservado a quem amamenta no contexto laboral. Eis um calcanhar de Aquiles na legislação brasileira e na governança dos mais diversos setores, e muitas mulheres se veem entre escolher manter seus trabalhos ou seguir as recomendações de entidades referendadas da área da saúde pediátrica.
Como dizem, “a conta não bate”. A começar com nossa licença maternidade de quatro meses, enquanto o Ministério da Saúde indica amamentação exclusiva durante os primeiros seis meses do bebê. Ou seja, as leis trabalhistas do país não estão de acordo com o que o governo preconiza em termos de saúde pública infantil.
Para tentar sanar essa discrepância, inventaram uma lei totalmente fora da realidade da imensa maioria das lactantes trabalhadoras: elas teriam o direito a meia hora de descanso, duas vezes ao dia, para amamentar. Considerando a raridade que é haver uma creche no mesmo local em que a mãe trabalha, sobram dúvidas sobre a aplicabilidade da medida: quem consegue ir em casa, amamentar e voltar em meia hora? Quem poderia levar o bebê até o trabalho de sua mãe duas vezes ao dia?
As perguntas não acabam, e todas seguem sem respostas: como o bebê será alimentado se ele sentir fome além das duas vezes garantidas pela lei? A mãe será obrigada a apelar para a oferta de fórmula sem necessidade (e a indústria alimentícia agradece!)? Haverá, em seu local de trabalho, uma sala de amamentação também apropriada para a ordenha e armazenamento de leite materno?
Sobre esta última dúvida, vale observar que já há alguns incentivos de governos para que as empresas abram e mantenham essas salas. Mas não existe uma obrigatoriedade, ficando a cargo das governanças institucionais qualquer iniciativa nesse sentido.
Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) publicado em 2021 pelo Ministério da Saúde, menos da metade dos bebês brasileiros (45,7%) são amamentados com exclusividade até os seis meses de vida. O número regride um pouco, para 43,6%, se considerarmos a amamentação continuada até os dois anos da criança, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS).
A ciência já provou os benefícios do leite materno para a saúde do bebê a curto e longo prazos, mostrando seu impacto na diminuição da mortalidade infantil e nos riscos futuros de diabetes, obesidade e hipertensão. Segundo estudo recente da Universidade de Tufts, nos EUA, esse superalimento também parece atuar no desenvolvimento cognitivo e como um estimulante de sinapses neurais. Em suma, bebês amamentados aparentemente têm um QI maior que os não-amamentados.
Tudo isso torna ululante a necessidade de enxergarmos a amamentação como um direito humano, devendo ser acessível para todas as pessoas que nascem. Não é justo, portanto, que condições laborais impeçam que uma grande parcela de bebês possa usufruir de algo tão fundamental e produzido naturalmente, mas não sem esforço, pelos corpos de suas mães.
Poder amamentar um filho também é um direito da mulher. As empresas que criarem recursos, apesar da precariedade da lei, para acolher mães têm muito a ganhar. A começar pelo bem-estar das funcionárias, mas também diminuindo os riscos de infecções como a dolorosa mastite – que irá afastar a colaboradora durante alguns dias para tratamento –, e demais problemas causados pelo leite que se acumula nas mamas que invariavelmente causam grande incômodo.
Gestões comprometidas com ESG podem e devem estimular jornadas de trabalho mais flexíveis e inclusivas para essas mães, providenciar locais adequados para coleta e armazenamento de leite materno, não intimidar por meio de palavras ou atitudes que suas funcionárias deixem de amamentar ou apelem para fórmulas e bicos artificiais e, principalmente, estender o tempo de licença maternidade para ao menos seis meses