Dizem que o Brasil é terra indígena. Mas, a contar pelo número de representantes das 305 etnias dos povos originários – quase 1,7 milhão de brasileiros – nas câmaras municipais do país (179 vereadores), prefeituras (oito) e na Câmara dos Deputados (apenas quatro), o poder de decisão dessa população não consegue mudar muita coisa.
Desde que o cacique xavante Mário Juruna deixou o Congresso Nacional, em 1987, outra indígena só veio a ser eleita deputada federal em 2018: a atual presidente da FUNAI Joenia Wapichana.
No âmbito municipal o cenário vem mudando, e já podemos comemorar que o número de candidaturas indígenas cresceu quase 12% para as eleições deste ano, em comparação a 2020, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com o TSE, há quatro anos foram 2.216 registros (0,40% do total), que passaram a 2.483 neste ano, o que abrange 0,54% do total de 459.743 postulações no Brasil.
O avanço não foi por acaso. Desde 2020, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) lançou a campanha ‘Aldear a Política – nosso marco ancestral’, incentivando a candidatura de indígenas em partidos com histórico de defesa dos direitos dos povos ancestrais. Em tempo: a APIB garante que o número de candidaturas para esta eleição é um pouco maior do que a anunciada pelo TSE, 2.498 pessoas candidatas.
O manifesto contido no site da campanha afirma que cada candidato e candidata deve se comprometer com propostas vitais para assegurar a defesa e promoção dos direitos indígenas nas cidades e territórios, ‘e assim salvaguardar a reserva de futuro que nós, povos indígenas, protegemos por todo o Brasil’.
Dez pontos são elencados como fundamentais a serem implementados nas propostas de governo: demarcação e combate ao marco temporal; educação indígena nas escolas; saúde indígena; aliança pelo clima e bem viver indígena; economia indígena; garantia de apoio partidário; participação social; cultura indígena; mediação de conflitos; e enfrentamento ao racismo.
Essas medidas se tornam ainda mais importante ao levarmos em conta que as terras indígenas são as áreas mais preservadas do Brasil. Segundo o último levantamento do MapBiomas, apenas 1% de sua área de vegetação nativa foi perdida entre 1985 e 2023. O dado é mais relevante ainda se comparado com as áreas privadas, que, no mesmo período, perderam 28% da vegetação nativa.
E para que assim continue, é fundamental que mais terras indígenas sejam demarcadas. E que a tese do Marco Temporal – que diz que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição – caia por terra, um embate histórico que se arrasta há quase duas décadas e que está longe de ser solucionado, apesar de a tese já ter sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Podemos, portanto, com nosso voto, contribuir para ampliar a representatividade dos povos originários no espaço político e assim ressignificar, reflorestar, ‘mulherizar’ e ‘indigenizar’ as tomadas de decisão. Porque, parafraseando a deputada federal indígena Célia Xakriabá, ‘nenhuma política pode ser monocultural’.
Uma reparação histórica urgente e necessária de ser feita se quisermos um futuro mais justo, sustentável e ancestral.