Pela primeira vez, o Brasil tem mais velhos do que jovens. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas com mais de 60 anos passaram a representar 15,6% da população brasileira no ano passado, ante 14,8% dos que têm entre 15 e 24 anos, mostra o g1.
Não para aí. O IBGE também projeta que os 60+ serão a maior fatia de brasileiras e brasileiros daqui a 20 anos. Em 2046, os velhos serão 28% da população. A título de comparação, no ano passado a maior proporção na escala etária ficou com pessoas entre 40 e 59 anos, 26,2%. E em 2070, os 60+ serão 37,8% da população. O que significa que mais de 1 em cada 3 brasileiros será idoso.
A expectativa de vida de brasileiras e brasileiros também continuará subindo, destaca o instituto. Daqui a 46 anos, em 2070, será de 83,9 anos – sendo 81,7 anos para homens e 86,1 anos para mulheres. Em 2000, a expectativa de vida era de 71,1 anos, e em 2023 foi para 76,4.
Não demorou para que esses dados gerassem burburinho entre economistas e planejadores. Como de costume, quando se fala de mais gente envelhecendo e vivendo mais, a Previdência Social se torna alvo de preocupação (alguns diriam ‘ataque’, fica a critério de cada leitor/a). A solução? Reforma. Reforma. Reforma.
Mas este texto não é sobre novas fórmulas (alguns diriam ‘arrocho’, fica a critério de cada leitor/a) para garantir aposentadoria para pessoas com mais de 60 anos com o envelhecimento da população brasileira – que, projeta o IBGE, para de crescer a partir de 2041. E sim sobre quem chegará lá. E como.
Presidente do Centro Internacional de Longevidade (CIL), o médico Alexandre Kalache dá o recado de forma curta e grossa na Folha. Em tempos de eleições municipais, lembra que as cidades são hostis aos velhos.
‘Políticos sofrem de idadismo internalizado. A maioria é do sexo masculino, e homem tem horror a envelhecimento. Acham que são para sempre ex-atletas. Não é, não, você é o velho de hoje. Fizemos no coletivo Velhices Cidadãs um levantamento com os partidos e, de cerca de 30, só 2 mencionam envelhecimento. Não querem saber, e isso pode vir a custar votos daqui a dois e quatro anos. Dos idosos e dos familiares deles’, frisou.
Além disso, Kalache desmistifica a tal ‘economia prateada’. Um nome bonitinho dado ao mercado voltado para pessoas 60+, mas que tem cara de mais um ‘washing’.
‘O Brasil vai envelhecer muito antes de uma parcela substantiva da população ter recursos razoáveis. Pobreza e desigualdade são nossos principais problemas. Temos uma ilusão de que o envelhecimento é cor-de-rosa, de que existe essa economia prateada. Sim, o grupo 60+ consome, mas falamos de salário mínimo. Conseguem comer e até colocar comida na mesa para os netos. A pandemia mostrou isso: a cada vez que morria um velhinho, sua família ficava na miséria.’
O Brasil está envelhecendo, e isso é bom, ao contrário do que pensam os defensores da inatingível ‘eterna juventude’. Mas nem todo mundo ainda tem o direito de envelhecer. E isso continua sendo péssimo.
As estatísticas de mortes apontam que homens negros têm menos chances de ganhar essa loteria, porque muitos deles são assassinados ainda jovens. Os dados de saúde pública ampliam essa limitação para homens e mulheres negros e pobres. E quem consegue ultrapassar essas barreiras ainda tem o desafio de envelhecer bem, com dignidade e respeito.
Nossa tarefa é árdua. É para agora, e não se resume a reformas previdenciárias pensando no futuro. Esse futuro é hoje, está aí. Não dá mais olhar para frente sem olhar para o lado.
Como estímulo, reproduzo mais palavras de Kalache: ‘pare de reclamar que você e o país estão envelhecendo. Envelhecer é um marco civilizatório, é bom. Morrer cedo é que não presta’.