No último domingo voltamos às urnas, dessa vez para elegermos prefeitos e vereadores – pleito que é um certo termômetro sobre a situação atual e os possíveis rumos da política brasileira nos próximos anos. As análises, ainda que partam de dados, têm seu grau de subjetividade, e neste texto não será diferente.
Alguns fatos foram notórios. Certos prefeitos candidatos à reeleição tiveram votações expressivas – como Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, João Campos, em Recife, e Bruno Reis, em Salvador. Já Fortaleza, capital governada por partidos de centro-esquerda há certo tempo, parece estar rumando para o lado oposto, num possível flanco criado após desavenças entre Ciro Gomes, seus próprios irmãos – também figuras de relevância no Ceará – e o ex-governador Camilo Santana. Há também resultados que desafiam a razão, como o fato de Sebastião Melo, atual prefeito de Porto Alegre, mesmo com a terrível condução antes e durante as enchentes deste ano, quase ter se eleito em primeiro turno.
No panorama partidário, o PSD, de Gilberto Kassab, toma à frente no número de prefeituras conquistadas; o PL de Jair Bolsonaro cresceu exponencialmente (vale lembrar que em 2020, o ex-presidente ainda não fazia parte do partido); e o PT de Lula parece estar se recuperando, ainda que bem aos poucos, do tombo que levou em 2016. Segundo o Datafolha, 57% dos eleitores não se consideram nem de esquerda e nem de direita, e talvez o PSD tenha conseguido capitalizar um voto menos polarizado. No entanto, está claro que o Brasil se mantém conservador, e assim tende a seguir por ora.
Porém, não há como mencionar as eleições deste ano sem destacar a acirrada disputa pela prefeitura de São Paulo e o fator Pablo Marçal. Ainda que o coach não tenha logrado êxito em ir para um segundo turno, essa história não termina aqui. Marçal usou de estratégias similares às da extrema-direita mundial (vídeos recortados, ofensas, disseminação de mentiras, encarnação de um personagem antissistema etc.) e seguiu sem o apadrinhamento declarado de Bolsonaro.
É provável que muitos dos eleitores de Marçal tenham reconhecido nele algo familiar, algo que já lhes agradava quando votaram no ex-presidente. E isso pode ser um alerta. Será que basta dominar técnicas antiéticas de comunicação em campanha eleitoral para pautar o debate político nacional e alcançar um número considerável de votos? Será que a influência de Bolsonaro não é páreo para o que ele mesmo ajudou a criar?
Se assim for, estaremos diante de um novo momento, o de pulverização de uma ideologia para além de sua maior figura. Que a gente saiba cortar o mal pela raiz, antes que ‘marçais’ comecem a dar em árvores.