24 de outubro de 2024 | COP16, Estratégia ESG, , , ,

Biodiversidade de quem pra quem?

Por Kelly Lima

Imagine uma farmacêutica internacional que, durante pesquisas na floresta amazônica, descobre raízes com propriedades medicinais capazes de tratar doenças respiratórias graves. Essa planta, tradicionalmente utilizada por uma comunidade indígena local há gerações, nunca havia sido estudada por cientistas fora da região. Fascinada pelo potencial comercial, a empresa coleta amostras da planta, realiza testes em laboratório e, com base no princípio ativo encontrado nas raízes, desenvolve um medicamento inovador.

Sem a existência de regulamentações como o Protocolo de Nagoya ou acordos que garantam a repartição justa dos benefícios, a farmacêutica rapidamente patenteia o novo medicamento em seu país de origem e lança o produto globalmente, obtendo enormes lucros no mercado. O remédio se torna um sucesso, movimentando bilhões de dólares em vendas, enquanto a comunidade indígena que forneceu o conhecimento original não recebe qualquer compensação ou reconhecimento.

Na história nem tão hipotética assim, conforme mostra reportagem feita pelo Infoamazônia, além de não remunerar os habitantes locais, a farmacêutica não contribui com projetos de preservação da floresta, o que acaba por agravar o desmatamento na região. Sem incentivos para conservar os recursos naturais e com pouca fiscalização, as comunidades ficam vulneráveis à pressão da exploração ilegal e à degradação ambiental. A biodiversidade da área, que poderia ser fonte de novos medicamentos, também fica ameaçada.

Sem iniciativas de repartição justa e sem regulamentação internacional, o conhecimento tradicional é explorado de forma assimétrica, e os recursos genéticos são apropriados por empresas sem qualquer benefício para o país ou para a comunidade que os protegeu e utilizou ao longo de gerações. O resultado é um ciclo de exploração onde as grandes corporações lucram com a biodiversidade, enquanto as comunidades locais e os ecossistemas sofrem as consequências da falta de proteção e compensação justa.

“Ninguém protege o meio ambiente com a barriga vazia”, lembrou o secretário do Meio Ambiente de Rondônia, Marco Antônio Lagos, durante debate no espaço Brasil, na COP 16, para ressaltar importância de as discussões na conferência terem como foco a devida remuneração/compensação para os povos originários.

A luta por soberania sobre os recursos genéticos não é apenas sobre justiça econômica, mas também sobre garantir que a exploração desses recursos contribua para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. A urgência de um tratado que equilibre interesses econômicos com a preservação dos direitos dos povos locais e a proteção dos ecossistemas é inegável.

Por: Kelly Lima