24 de outubro de 2024 | Estratégia ESG, , ,

Quanto vale o tempo?

Por Luisa Mattos

No século XIX, um certo teórico barbudo já alertava para a disparidade entre o valor da nossa força de trabalho e o que nos pagam por ela. Eis, de forma muitíssimo resumida, a teoria da mais-valia, de Karl Marx. Entre todas as incontáveis reflexões que vieram a partir dela, concordando ou refutando seus argumentos, trago à baila uma perspectiva: a do tempo.

Quanto vale o nosso tempo? O tempo que dedicamos ao trabalho, à família, ao lazer, a uma causa, à leitura, ao estudo, aos cuidados com nossa casa, com nossos animais e plantas… Já parou para atribuir um valor a cada um desses momentos?

É que no leilão do nosso tempo, parece que o trabalho (quase) sempre vence, e nos cabe pensar se isso é mesmo justo. É para ele que dedicamos a maior parte de nossas horas, dias e anos. A lógica de uma sociedade capitalista – criticada pelo tal teórico – impõe esse papel social a pessoas adultas (e já impôs às crianças também); e, baseados nela, seguimos oferecendo nosso tempo em troca de dinheiro, por necessidade, desejo, convicção ou uma mistura de tudo isso, em maior ou menor grau.

No entanto, principalmente depois da pandemia da Covid-19, parece haver uma tendência a reconhecer a urgente necessidade de dividirmos melhor o nosso tempo entre os outros setores da vida. Ou, se essa divisão ainda não for plenamente possível – e para a maioria não é –, que pelo menos as horas dedicadas ao trabalho sejam valorizadas de maneira integral.

Uma pesquisa recente realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), diante do recorde de demissões voluntárias batido em 2024, apontou que 24,7% dos que abandonaram seus postos reclamaram de falta de reconhecimento, e 24,5% apontaram problemas éticos por parte das empresas. Outro fator digno de nota foi o adoecimento mental por estresse, indicado por 23% dos trabalhadores – e as mulheres são maioria nesse conjunto. Entre os entrevistados, 16% desejavam uma jornada mais flexível, e 21,7% relataram dificuldade de mobilidade entre a casa e o trabalho. Para comparação, 32,5% trocaram de emprego por questões financeiras.

Os dados mostram que, no contexto de uma economia um pouco mais aquecida – estamos com as taxas de desemprego mais baixas desde 2012 –, o salário não é o único determinante para a decisão de vendermos ou não nosso tempo. Existem diversos outros fatores que são colocados na balança. E já passou da hora de as empresas levarem tudo isso em consideração, se não quiserem perder, ironicamente, seu tempo com novos processos seletivos e treinamentos e, principalmente, se desejarem reter talentos já conscientes de seu próprio valor.

Afinal, a gente não quer só comida.

Por: Luisa Mattos