30 de outubro de 2023 | Estratégia ESG, , ,

Velho não é problema, é parte da solução

Por Alexandre Gaspari

População idosa engajada e ativa na sociedade

Deu no Censo 2022: o Brasil envelheceu (veja abaixo mais detalhes nos Destaques desta edição). E rapidamente. No levantamento de 2010 feito pelo IBGE, metade da população tinha menos de 29 anos, e a outra metade, mais. No ano passado, essa idade mediana passou para 35 anos. E nesses 12 anos, a quantidade de idosos do país aumentou quase 60%. O país tem mais de 22 milhões de pessoas acima dos 65 anos – quase 11% do total de habitantes. É um recorde, destaca matéria do Jornal Nacional.

“Na França, foram necessários 145 anos para dobrar a proporção de sexagenários de 10% para 20%. O Brasil vai fazê-lo entre 2011 e 2030, em 19 anos”, chama atenção o médico Alexandre Kalache. Gerontólogo, Kalache é presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (International Longevity Centre Brazil – ILC-BR) e co-diretor da Age Friendly Foundation., especialista em geriatria e gerontologia.

Olhando apenas para os números, os pessimistas de plantão vão dizer que estamos com um baita problema. Como explica em artigo na Folha Álvaro Machado Dias, neurocientista, professor da Unifesp e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind, a visão dominante “pressupõe que, em torno dos 65 anos, as pessoas que beneficiavam a economia passam a subtraí-la de maneira quase invariável, sobretudo porque o envelhecimento populacional leva à explosão dos gastos em saúde, em função da prevalência crescente das doenças crônicas. Isso de fato está alinhado às experiências acumuladas”.

Dias chama atenção, porém, para o equívoco dessa visão de uma “sociedade do envelhecimento”, que considera que “o aumento da longevidade levará à manutenção da mortalidade per capita e da maneira dominante de lidar com a própria saúde”. Ele afirma que “tanto a invalidez por causas gerais quanto a porcentagem da vida com doenças crônicas incapacitantes têm caído ano a ano”.

Assim, com as pessoas não apenas vivendo mais, mas melhor e com mais atividades produtivas, o neurocientista propõe uma “sociedade da longevidade”: “é o aproveitamento do capital intelectual acumulado, o desenvolvimento de produtos que não sejam apenas cinzas ou azuis, para esse contingente populacional em ascensão e a redução dramática da mortalidade pela combinação de tecnologias médicas e evolução cultural”, explica Dias.

A “sociedade da longevidade”, de fato, parece bem mais factível do que pensamos. Entretanto, na experiência brasileira, essa visão se concentra nas camadas médias da população – ou seja, aquelas que têm recursos financeiros tanto para manter sua saúde física e mental como para investir em novos aprendizados, de modo a encontrar um lugar num mercado de trabalho que (dizem) vem valorizando mais as pessoas com mais de 50 anos.

Como já tratei neste espaço, no Brasil, o direito básico de envelhecer é retirado das pessoas negras e pobres. Quando se trata do chamado “bom envelhecimento”, com saúde e manutenção da capacidade produtiva, o acesso dessa parte da população é quase uma utopia. Então, o problema brasileiro não é envelhecer, mas envelhecer mal. Ainda estamos distantes de ver a maior parte de nossa população idosa se encaixar na “sociedade da longevidade” proposta por Dias.

“Neste mês de outubro, o Estatuto do Idoso completou 20 anos. Mas estamos envelhecendo em pobreza. Essa desigualdade social é cruel. Precisamos de políticas públicas adequadas. Quando você mora no Alto Leblon, no Rio, ou no Jardim Paulista, em São Paulo, nem aos 75 anos você é idoso”, destacou Kalache, em entrevista na Edição das 10h, da Globonews, no sábado (28/10).

Apesar desse e de outros percalços – como o fato de apenas 10% das escolas médicas do país disponibilizarem em seus planos de formação de profissionais a disciplina “geriatria”, de acordo com Kalache –, o presidente do ILC-BR deixa claro que é preciso acabar com o etarismo na sociedade brasileira. Assim, os “pessimistas dos números” precisam deixar de ver a população velha como um problema.

“Vocês vão precisar de nós, velhos. Somos parte da solução”, disse Kalache. E se isso não for entendido pela capacidade dessa parte da população de contribuir para resolver os problemas, apesar dos desafios que temos no Brasil, vai ter de ser “engolido” por sua crescente quantidade no contingente populacional total. 

Boa semana!

Por: Alexandre Gaspari