Terminou o ‘mês da mulher’, mas a luta por equidade e pelo fim da violência de gênero continua. E após mulheres brilhantes, de diferentes raças, classes e credos, apresentarem neste espaço vários pontos de vista e nuances sobre esse tema, fica a pergunta: o que nós, homens, temos a ver com isso?
Sim, já é possível ouvir vozes mentais (ou mesmo verbalizadas) dizendo: ‘ah, mas eu não sou assim’; ‘ah, mas eu estou me desconstruindo’; ‘ah, mas nem todos os homens’. Defender-se é uma característica do ser humano quando se sente acuado. Entretanto, não se trata de se eximir dizendo não fazer parte. O exercício aqui é assumir que faz parte: nem todo homem, mas sempre um homem.
Nem todo homem é feminicida, mas foi sempre um homem que esteve por trás de cada um dos 586 assassinatos de mulheres, mortas em razão de gênero, que a Rede de Observatórios de Segurança registrou no Brasil em 2023. Uma mulher morta a cada 15 horas neste país apenas por ser mulher. E morta por um homem.
Nem todo homem quer ganhar mais que uma mulher, mas é sempre um homem que vê mulheres com capacidades iguais a ele ganhando 19,4% a menos. Quando se trata de cargos de dirigentes e gerentes, essa diferença chega a 25,2%, mostra um levantamento do governo federal com base em informações de quase 50 mil estabelecimentos comerciais.
Nem todo homem é um recrutador de talentos, mas é sempre a lógica do homem que é capaz de perguntar a mulheres candidatas a um cargo seus planos para a maternidade. E colocar nessas entrevistas perguntas que praticamente obrigam às mulheres a detalhar o que pretendem fazer com seus úteros – preferencialmente o que não pretendem fazer –, sob pena de não conseguirem uma colocação.
Nem todo homem é um estuprador, mas é sempre um homem que está por trás dos estupros. Quando se trata de um homem poderoso e rico, como nos casos dos jogadores de futebol Daniel Alves e Robinho, o estupro pode até mesmo ter preço, no caso do primeiro. Um valor dado a partir de uma lógica masculina de mensuração da violência contra a mulher.
Nem todo homem. Mas sempre um homem. Então, temos tudo a ver com isso.
Precisamos mudar nossas vidas para dar às mulheres o mesmo direito à vida que nos é dado. Precisamos entender que não perdemos o emprego ou oportunidades por sermos pai. Precisamos admitir que, se nossos corpos são tocados somente quando queremos, esse é um direito que deve ser universal, independente do gênero.
E que fique claro que não tem a menor relação com sexualidade. Porque homens homossexuais também são criados para ser ‘homens’ no sentido clássico de uma masculinidade tóxica e dominante. Muitos conseguem fugir dessa ‘natureza’ socialmente fabricada, mas outros a repetem. Sempre um homem…
Sendo assim, adapto aqui um conselho sapientíssimo da filósofa Angela Davis: a nós, homens, não cabe apenas não sermos machistas e misóginos. É fundamental que sejamos anti-machistas e anti-misóginos. E em todos os lugares, em casa, no trabalho, na rua, nos blocos de carnaval, na roda de amigos homens que insistem em reproduzir a violência de gênero.
A necessidade é diária. Para que, quem sabe um dia, não precisemos mais de um dia ou um mês para bater na mesma tecla que vem sendo batida há tempos, mas que ainda não aprendemos.