Estamos diante de mais uma tragédia climática que, dessa vez, acometeu o estado do Rio Grande do Sul. São inúmeras vítimas entre desabrigados, desalojados, desaparecidos e mortos.
É nítido, porém, que a mão da devastação ambiental pesa mais em uns do que em outros. E o que essas pessoas têm de diferente? A cor. Em comum, na maioria das vezes, só mesmo a região onde nasceram.
Mas, o que tudo isso tem a ver com o racismo ambiental?
O conceito, criado há mais de 40 anos pelo climatologista Robert Bullard, diz respeito à desproporção que existe no impacto sofrido por comunidades negras e marginalizadas diante de eventos climáticos extremos como o que abateu o estado gaúcho. No Rio Grande do Sul, segundo o último Censo IBGE de 2022, a população negra, incluindo pretos e pardos, representa 21,19% do total – cerca de 2,3 milhões de pessoas.
No último mês, um estudo do Núcleo Porto Alegre do INCT Observatório das Metrópoles relacionou, a partir da análise de mapas, as áreas atingidas pela enchente na Região Metropolitana de Porto Alegre e a composição étnico-racial dos seus habitantes. O resultado foi, infelizmente, o já esperado: as áreas que mais sofreram com a tragédia apresentam uma concentração expressiva de população negra. Além disso, todas as 145 comunidades quilombolas gaúchas, distribuídas por 70 municípios, foram atingidas pelas enchentes, o que afetou mais de 17 mil quilombolas, de acordo com a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
Tudo isso será uma ‘mera coincidência’? Ou nada mais é do que o reflexo da falta de políticas públicas nas áreas de moradia, infraestrutura, e tantas outras necessidades, para a população mais pobre?
As pessoas não escolhem morar em ocupações, em morros com risco de desabamento, em domicílios precários, em ruas sem saneamento básico adequado e sem acesso à água potável, em bairros que não têm postos de saúde, nem área de lazer, nem escola. Toda essa vulnerabilidade tira dessa parcela da população a dignidade e, muitas vezes, a vida, como temos visto nas notícias que repercutem a enchente. Até quando vamos precisar ver essas cenas se repetirem?
Para além da questão climática, que renderia vários editoriais, o racismo ambiental precisa entrar na pauta da mídia, da sociedade civil, do terceiro setor e, principalmente, do poder público. A reconstrução do Rio Grande do Sul é urgente, e muitos planos já estão sendo anunciados pelos governos, mas precisam começar atuando para que este cenário não se repita – e no que deve ser feito no combate ao racismo ambiental.