A primeira medalha de ouro conquistada pelo Brasil nos jogos olímpicos de Paris é da judoca Beatriz Souza. Uma mulher. Uma mulher preta. Uma mulher preta e gorda. Um pouco de sua história foi contada pelo Globo Esporte.
A conquista de Bia Souza foi bastante exaltada não somente por ser o primeiro ouro do Brasil na competição, mas também por outras nuances. Uma delas envolve o gênero.
Paris 2024 prometeu ser a primeira olimpíada com equidade de gênero. Não conseguiu. Mas, na delegação brasileira, as mulheres são maioria: dos 277 atletas classificados, 153 são mulheres, o que representa 55% do total, mostra o Correio Braziliense.
Muito se falou também sobre o fato de Bia Souza ser negra. Em um país onde a maioria da população é não-branca, poderia ser algo corriqueiro. No entanto, quando se trata de acessos e oportunidades – inclusive no esporte –, sabe-se que não é bem assim.
O corpo de Beatriz Souza também não se encaixa naquilo que se convenciona chamar de “padrão”. Costuma ser acusado de “doente”. Um anti-exemplo em uma sociedade que busca o “saudável”, mesmo que seja por meio de procedimentos estéticos agressivos e arriscados e remédios que “facilitariam” atingir esse fim.
A reunião desses marcadores numa vencedora em sua primeira participação olímpica – mulher, preta, gorda – foi destacada por muitos nas redes sociais. Mas, como de costume, houve também a turma do “deixa disso” se manifestando.
Assim como costuma ocorrer no Dia Internacional da Mulher e no Dia da Consciência Negra, o velho discurso do “somos todos humanos” e “somos todos iguais” surgiu aqui e ali. A rotineira tentativa de diminuir a importância dessa conquista para a população negra e para quem não tem um corpo “padrão”.
Seria louvável se fosse, de fato, uma crença na utopia de que podemos atingir uma sociedade igualitária. Mas não se trata disso. É simplesmente uma tentativa de minimizar o poder simbólico que determinadas conquistas têm para chamar atenção para o imenso abismo que precisamos transpor para essa sonhada e necessária igualdade.
Sim, somos todos humanos. Mas enquanto uns forem mais “humanos” que outros, conquistas de quem é visto como menos “humano” precisam ser glorificadas. Assim, quem sabe um dia não precisaremos mais ouvir o que outra judoca medalhista olímpica, Rafaela Silva, contou: “antes, eu chegava perto dos carros e as pessoas levantavam o vidro; agora, abaixam para falar comigo”.