Em sua pesquisa de doutorado, a antropóloga Ana Paula Marcelino da Silva convive com cerca de 40 idosos de um abrigo em uma cidade no interior de Pernambuco. O abrigo ocupa um prédio histórico e é administrado pela igreja católica. Mas também conta com o suporte de instituições do Estado, como o Ministério Público e a prefeitura local, e recebe apoio de empresas privadas localizadas na região.
Além de tentar entender como moradoras e moradores do abrigo lidam com o envelhecimento e com questões a ele relacionadas, Ana Paula também observa as relações entre essas pessoas e os agentes externos. Em algumas situações, presenciou visitas de representantes do poder público e da iniciativa privada ao abrigo.
Essas ocasiões foram marcadas por doações, sobretudo por parte das empresas, narra a antropóloga. Presentes e benefícios sendo entregues em momentos registrados com muitas fotos. ‘Esse povo veio aqui’ foi uma das falas dos moradores do abrigo captadas por Ana Paula durante ou após essas visitas.
Além de verificar uma certa disputa ‘religiosa’ – embora o local seja administrado por católicos, igrejas protestantes vão cada vez mais ao abrigo – , Ana Paula pôde observar o que ela chamou de ‘caridade instagramável’: a entrega de bens feita de forma festiva e muito bem documentada por equipes de comunicação. Junto a isso, verificou também que a demonstração de afeto dos doadores pelas pessoas que ali moram era mínima.
A reflexão da antropóloga em sua pesquisa, ainda em andamento, chama atenção para o que, afinal, pretendemos com a agenda ESG. É óbvio que os registros em fotos e vídeos são necessários, inclusive como uma prestação de contas à sociedade e aos acionistas. Por trás do ‘close’ existe, sim, um ‘corre’. Mas no meio de tudo isso há gente. Seja no viés ambiental, no social ou de governança.
A reflexão é válida sobretudo num momento em que algumas empresas estão pisando no freio na agenda ESG. Há algumas semanas, a Microsoft demitiu sua equipe dedicada à diversidade, equidade e inclusão (DEI), mostra a Época Negócios, supostamente por ‘mudanças nas necessidades de negócios’. Não foi a única. Nem será a última. O que é bastante preocupante.
O lucro financeiro é parte de qualquer negócio, e isso é válido. Mas não se pode esquecer outros ‘lucros’ que vão além do valor das ações. O ESG pressupõe transformação. Senão, é só ‘caridade instagramável’.
Resta saber por quanto tempo as pessoas vão continuar acreditando nos ‘closes’.