A fome é o retrato mais contundente da desigualdade e da miséria. Ela mata, dilacera… E em pleno século 21, dominado por avanços tecnológicos como a tão aclamada Inteligência Artificial, a fome continua aumentando em diversas partes do planeta, principalmente na África.
É o que mostra o último relatório anual da ONU sobre a fome, divulgado no fim de julho. Segundo o documento, 733 milhões de pessoas passavam fome no ano passado – um em cada 11 habitantes do mundo. É um número muito próximo do registrado em 2022. No continente africano a proporção é ainda pior: um em cada cinco passam fome.
O critério para que uma pessoa passe fome é a condição de subnutrição, explica O Globo. Mas quando se considera insegurança alimentar moderada ou severa, o número salta para 2,312 bilhões de pessoas no triênio de 2021 a 2023. É o equivalente a 29% da população mundial.
Se mantido o ritmo atual, existirão mais de 580 milhões de pessoas “cronicamente desnutridas” em 2030. O que significaria o não-cumprimento do ODS 2, que propõe eliminar a fome até lá. É, portanto, um tremendo desafio.
Mas nem tudo é desanimador. No Brasil, por exemplo, houve queda nos números. Por isso o relatório da ONU indica que o país está perto de deixar o Mapa da Fome.
Vale lembrar que o Brasil voltou ao Mapa da Fome em 2021, no governo passado, após sete anos fora dele, depois que, em 2013, cerca de 14,7 milhões de brasileiros saíram da condição de fome. O que confirma a importância de políticas públicas de combate à fome e garantia de segurança alimentar.
Em entrevista à ONU News, Jorge Meza, representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, citou como exemplo o programa Brasil sem Fome. Lançado recentemente pelo governo, o programa integra iniciativas para enfrentar o problema de forma coordenada.
O Bolsa Família, que atende atualmente 20,8 milhões de famílias, também é apontado por especialistas como referência. O economista Marcelo Neri, da FGV Social, em recente entrevista ao jornal O Globo, calculou que, sem o programa, 14% da população estaria na extrema pobreza, e não 8,3% como é hoje.
Na presidência rotativa do G20 este ano, o Brasil definiu três eixos de atuação durante seu mandato: combate à fome, à pobreza e à desigualdade; desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental); e reforma da governança global.
Assim, foi criada a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será lançada oficialmente na reunião da cúpula de líderes do grupo, em novembro, no Rio de Janeiro. Até 2030, a aliança pretende apoiar iniciativas para erradicar a fome e a pobreza, reduzir as desigualdades, contribuir para o desenvolvimento sustentável e para a realização dos ODS 1 (erradicação da pobreza) e 2 (fome zero e agricultura sustentável).
A Aliança estará aberta a adesões de governos, organizações internacionais, instituições de conhecimento, fundos e bancos de desenvolvimento e instituições filantrópicas. O setor privado também poderá participar, dependendo da política a ser implementada.
Contribuições da sociedade civil também serão bem-vindas nessa força tarefa. Para isso, a Cúpula Social do G20 anunciou na semana passada a criação de uma plataforma digital aberta a ideias, propostas e considerações. Sindicatos e movimentos sociais já firmaram presença.
Até o momento, o mundo fracassou em acabar com a fome e a pobreza. Por isso essas iniciativas trazem esperança. Mas é preciso correr contra o tempo. Não se pode esquecer que ‘quem tem fome, tem pressa’, como dizia o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, fundador, em 1993, da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida. Uma pressa que está faltando a governos, empresas e instituições financeiras.